sábado, 15 de maio de 2010

IBARÊ COSTA DANTAS

Sob a lupa de Ibarê




 *Samuel Barros de Medeiros Albuquerque



Em meados da década de 1990, Ibarê Dantas iniciava silenciosamente suas investigações sobre Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel, engenhoso político sergipano que viveu entre 1825 e 1909. Fruto dessas pesquisas, Ibarê acaba de lançar a obra “Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909): o patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe” (Aracaju: Criação, 2009. 480 p).



Renomado historiador e cientista político, José Ibarê Costa Dantas é professor emérito da Universidade Federal de Sergipe e preside o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe desde 2003. Até então, o conjunto de sua obra se constituía num monumento dedicado ao estudo da dinâmica política de Sergipe durante a República. Em sua nova empresa, mediante a figura emblemática de Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel, Ibarê Dantas envereda pela política sergipana do século XIX e princípios do século XX.



Foi investigando as origens familiares do ex-governador Leandro Maynard Maciel (1897-1984) que Ibarê Dantas se deparou com o avô paterno, Antônio Luiz de Araújo Maciel (1797/1850), e com o pai, Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909), podendo constatar que a estirpe dos Maciel esteve ativa na militância política, desde as primeiras décadas do século XIX até os anos setenta do século XX. É preciso dizer que Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel não é um “mocinho” na narrativa de Ibarê Dantas. A representação construída sobre o biografado persegue a imparcialidade e apresenta um homem truculento, um político contraditório e, muitas vezes, escorregadio. A biografia encanta mais que o biografado e nos ajuda a compreender práticas políticas “muitas vezes eivadas de procedimentos moralmente ilícitos” (p. 17).



A variedade e a quantidade de fontes inquiridas (jornais, inventários, testamentos, cartas, memórias, depoimentos, dentre outras) são elementos que chamam atenção na obra, além do uso racional que é feito desses “documentos que sobreviveram à incúria dos homens” (p. 16). Os acervos mais devassados foram: o Arquivo Público do Estado de Sergipe (Aracaju) e o Arquivo Nacional (Rio de Janeiro); a Biblioteca Pública Epifânio Dória (Aracaju) e a Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro); o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (Aracaju) e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (Salvador); o Arquivo do Judiciário de Sergipe (Aracaju), dentre outros.



As fontes que lastreiam a obra não estão diluídas em nenhum modelo interpretativo grosseiro e alheio ao objeto. Acertadamente, a abordagem biográfica foi inspirada em conceitos de Hannah Arendt, orientando o enfoque dado ao comportamento do homem público inserido no processo político (“Homens e tempos sombrios”. Cia das Letras, 1987), e Max Weber, combinando a ética de convicção com a ética de responsabilidade para compreender as práticas políticas de antanho (“Ensaios de Sociologia”. Zahar, 1963), bem como o método tipológico ideal para lidar com a carência de dados sobre a infância e a juventude do biografado (“Sobre a teoria das ciências sociais”. Presença, 1974). O conceito de realidade histórica de Paul Veyne também aparece e ajuda a dar sentido aos vestígios da trajetória do velho Leandro Maciel (“Como se escreve a história”. UnB, 1992).



Entre interlocutores de Ibarê Dantas, encontramos desde consagrados nomes da nossa historiografia — Felisbelo Freire, Maria Thetis Nunes, Maria da Glória Santana de Almeida, Luiz Mott, Josué Modesto dos Passos Subrinho, Maria Nely dos Santos, Terezinha Oliva... — até jovens autores de monografias produzidas no curso de História da UFS, como Vanessa dos Santos Oliveira, Ivan Fontes Barbosa e Giliard da Silva Prado.



Recuperando e dando sentido às experiências que marcaram a trajetória de Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel, Ibarê Dantas acaba por resignificar eventos marcantes da história de Sergipe, analisando “os efeitos das mudanças de gabinete no quadro local, as repercussões das alterações na legislação eleitoral, o jogo partidário, as lutas internas entre as facções, as eleições, a transição do Império para a República, os primeiros tempos da nova forma de governo, as intervenções e a instabilidade política na primeira década republicana” (p. 11-12).



A obra não está restrita ao universo político. Ibarê Dantas observa, por exemplo, interessantes aspectos da vida cultural dos sergipanos do século XIX, como as práticas matrimoniais, o pagamento de dote, o rapto de jovens e viúvas afortunadas, as atitudes perante a morte... Enfim, é uma obra de mestre! Nela o autor se reinventa e passa a dialogar com novas gerações de leitores. O livro é engenhoso! A leitura é agradável e envolvente.



O dia 13 de maio de 2009, exatos cem anos após a morte do biografado, foi a data escolhida para o lançamento da obra que já nasce com feições de um clássico. O lançamento do livro “Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel” se constitui em um fato historiográfico de primeira grandeza e legitima o lugar de destaque ocupado por Ibarê Dantas em nossa “República das Letras”.



Samuel Barros de Medeiros Albuquerque é professor da Universidade Federal de Sergipe e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. E-mail: samuelalbuquerque@ufs.br



Saber Ciência é uma coluna semanal de divulgação científica publicada no CINFORM. É uma atividade da Agência UFS de Divulgação Científica, sob coordenação do Prof. Dr. Josenildo Luiz Guerra, e com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe - Fapitec.

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Samuel Barros de Medeiros Albuquerque é professor da Universidade Federal de Sergipe e Presidente  do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. E-mail: samuelalbuquerque@ufs.br




Um comentário:

  1. O que ouvi falar do ex-governador Leandro Maynard Maciel não lhe é muito lisongeiro (não sou sergipano, ouvi da boca de um aracajuano de família tradicional), portanto, não é de estranhar que seu pai tenha sido "truculento e cantraditório", como encontrou Ibarê. Afinal, as crianças aprendem com o que convivem. As marchas e contra-marchas da política não me atraem, mas os "interessantes aspectos da vida cultural dos sergipanos" é um assunto mais palatável. Bom post! _Abraço.

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