terça-feira, 2 de outubro de 2012

O Político José Rollemberg Leite (1912-1996)





O Político José Rollemberg Leite (1912-1996)


Ibarê Dantas



Quando pesquisava sobre os governos de José Rollemberg Leite para escrever meus livros, dois aspectos de certo modo contraditórios me chamaram atenção na sua trajetória política.  Em primeiro lugar, a sorte, ou para usar um termo de maior densidade, criado por Maquiavel, a fortuna. O segundo aspecto refere-se às dificuldades que atravessou, sobretudo em sua primeira gestão (1947-1951).
Originário de família tradicional de Sergipe, bisneto do Barão de Estância, embora seu pai, o médico Sílvio Cezar Leite, não tivesse vivência partidária, a família de sua mãe, Lourença Rolemberg Leite, tinha longa militância política.
Quanto ao filho, não sei quando revelou ambições políticas. Sabe-se que, após graduar-se em Engenharia de Minas e Civil na Escola de Ouro Preto (MG), começou a lecionar, e seu irmão, Francisco Leite Neto, que ocupava a Secretaria Geral na segunda interventoria de Augusto Maynard Gomes (1943-1945), concorreu para fazê-lo diretor do Departamento de Educação e Obras.
Como ocorreria no decorrer de sua vida, o novo diretor desempenhou suas funções com seriedade. Nos estertores do Estado Novo, Maynard promoveu a criação do PSD, ao qual José Leite, membro do secretariado, filiou-se. Pouco tempo depois, Vargas e Maynard foram depostos e, na eleição para a Constituinte de 1946, os pessedistas ficaram aquém da UDN e do PR que, juntos, elegeram os dois senadores e três deputados federais.



No pleito seguinte (1947) para governador, o PSD uniu-se ao PR de Júlio Leite, mas como este não gostava do sobrinho Leite Neto, a alternativa foi indicar José Leite, um jovem senhor sem arestas, sóbrio, contido, discreto, que estaria por revelar-se como Executivo.
A UDN lançou o advogado Luiz Garcia, que dirigia o Correio de Aracaju, e aliou-se ao Partido Comunista na fase de maior expansão de sua história. A Liga Eleitoral Católica (LEC) entrou na campanha anticomunista exaltada, e José Leite, um homem circunspecto, avesso a confusão, com discurso de gente acanhada, viu-se no centro de uma celeuma medonha de debates e discussões acaloradas. Vitorioso, tratou da montagem do secretariado possível dentro das exigências da aliança.  Empossado em fins de março de 1947, deparou-se com uma situação difícil. Finanças limitadas, oposição forte e aguerrida, num quadro nacional de embates ideológicos que se acentuaram quando o TSE cassou o mandato dos parlamentares do PCB. Em várias cidades do país, desencadearam-se manifestações dos trabalhadores. O presidente da República marechal Dutra, alinhado à política da Guerra Fria, enviava boletins aos governos estaduais, ordenando rigor contra os comunistas que, em Aracaju, promoviam comícios. Num deles, a cavalaria da polícia investiu contra a massa em frente ao cinema Rio Branco e um tiro matou o operário Anísio Dário. Os comunistas ganharam um mártir e o governo, um problema.



O Departamento de Segurança Pública divulgou nota atribuindo o fato aos próprios camaradas, aumentando a indignação. A repressão prosseguiu, apreendendo jornais e detendo trabalhadores ativistas. Armando Domingues, deputado estadual eleito pelo PCB, também foi cassado, enquanto as críticas ao governo proliferavam. No Senado, Walter Franco (UDN) pediu CPI. Na Câmara dos Deputados, Leandro Maciel fazia discursos duros. Na Assembleia, representantes da UDN, do PTB e da Esquerda Democrática fustigavam os situacionistas. Nas ruas, os sindicatos e outras associações protestavam. Enquanto isso, o funcionalismo reclamava aumento, que foi aprovado pela Assembleia, que podia criar despesas. O governo vetou-o, aumentando seu desgaste. Os desembargadores se incorporam aos insatisfeitos. No interior, os delegados abusavam da autoridade, exasperando os adversários e dando margem a frequentes denúncias na imprensa. O Correio de Aracaju da UDN, a Gazeta Socialista de Orlando Dantas e a Folha Trabalhista de Francisco Macedo veiculavam denúncias e criticavam a administração. No Rio de Janeiro, Joel Silveira no Diário de Notícias vez por outra divulgava seus petardos contra a gestão dos Leite. Os próprios correligionários, como Manuel Teles (PSD) em Itabaiana, abusavam do contrabando deixando os governistas incomodados. Os problemas de relacionamento entre os secretários do PR X PSD se amiudavam.
Nesse clima de críticas e de questões adversas, o governador resisitia, exercitando a tolerância para não sucumbir às pressões dos grupos de interesse. No auge da polêmica sobre a morte de Anísio Dário, a divulgação do convênio com o governo federal, facultando a Sergipe um projeto piloto na área da educação, deu à gestão de José Leite um oportuno alento. Ao final, 218 Escolas Rurais, sete Grupos e duas Escolas Normais foram construídas (Cf. Mensagem de 1951). Nesse embalo, o governo criou as duas primeiras faculdades: Economia e Química, projetando seus feitos no campo de instrução como principal marca de sua gestão. Ademais, a triplicação da força da energia elétrica, a melhoria do abastecimento de água e a ampliação da rede rodoviária, entre outras realizações, dentro de um estilo de zelo pela coisa pública, ajudaram a fortalecer o legado de sua administração.
Ao fim de seu mandato, o mano Leite Neto tentou controlar o processo sucessório, mas as reações dos próceres do PR geraram situações embaraçosas, como foi a rejeição do honrado Gervásio Prata. Apesar disso, a coligação elegeu seu sucessor e José Leite voltou ao magistério e a exercer sua profissão de engenheiro ao lado de seu amigo Fernando Porto.
Na sucessão do governo Leandro Maciel, em 1958, quando a UDN imperava, a coalizão PSD-PR, sem muitas opções de quadros, lançou José Leite para enfrentar Luiz Garcia (UDN) que dessa vez venceu. Mais tarde, em 1962, Leite Neto foi eleito senador, entretanto, faleceu em 1964. Como José Leite era o suplente, o homem de sorte substituiu-o por cinco anos (1965-1970) num dos mandatos mais tranquilos e cobiçados. Todavia, sua atuação ocorria numa fase conturbada do Estado Autoritário, pontuada de momentos incômodos, num tempo em que as reações dos partidos e de vários setores da sociedade exacerbavam-se, terminando por levar o general presidente a editar o AI-5 e fechar o Congresso, inaugurando um novo ciclo repressivo. Antes desse desfecho, José R. Leite, incorporado aos quadros da ARENA, na primeira escolha para governador indireto, perdeu em convenção por um voto para Lourival Batista, mas foi eleito presidente do Diretório daquela agremiação.
Nos idos de 1974, o senador Petrônio Portela veio a Sergipe ouvir os pretendentes a substituir o governo Paulo Barreto de Menezes. Numa longa e informativa entrevista que me concedeu vinte anos depois, José Leite me contou o episódio com muita graça e um certo ar de satisfação.
Depois de ouvidos individualmente onze aspirantes ao cargo, Petrônio foi embora e ficou acertado que o anúncio do escolhido seria comunicado ao presidente da ARENA. Em face disso, a residência de José Leite permaneceu ocupada dias após dias por ansiosos pré-candidatos a incomodar a família com seus vozerios e especulações até altas horas da noite. Um mês depois, o dono da casa, que, com seu aparente desprendimento, não constava da relação dos onze, foi o escolhido. A aura de homem de fortuna afirmou-se. Sorte também para Sergipe.
Com sua autoridade moral e grande respeitabilidade política, no período inicial da abertura do regime sinalizou com firmeza pela renovação administrativa. Arejou a Secretaria da Justiça e a direção do Banco do Estado, entre outros setores. Diante dos órgãos de segurança, resistiu às suas imposições, nomeando nomes vetados e mantendo funcionários tidos como subversivos. Mas nem tudo foi sucesso. Dentro de uma estratégia nacional, os generais promoveram a Operação Cajueiro em 1976, quando afastaram os oficiais do 28º BC e criaram lá dentro um enclave coercitivo, prendendo e torturando cerca de 30 cidadãos, com o objetivo de debilitar o PCB. Para o governador, que se sentiu impotente para intervir, foi um grande constrangimento.
Não obstante esse fato lamentável, José Leite, com experiência e visão de conjunto da administração estadual, empenhou-se em atender os objetivos técnicos voltados para o desenvolvimento do Estado, sem desprezar as demandas políticas. Visando montar uma infraestrutura básica para uma política industrial, pelo menos a médio prazo, criou vários órgãos públicos vitais e melhorou os serviços essenciais (água, luz, educação, transporte e habitação) dentro do processo de modernização do setor público. Sem estardalhaço, iniciou as obras da adutora do São Francisco e tomou decisões marcantes sobre a localização do porto.  Dirigiu a coisa pública com senso de proporcionalidade, temperando os pleitos dos técnicos com as pressões dos correligionários, sem a ilusão da tecnocracia e a instrumentalização das secretarias pelos políticos.
Depois, ainda serviu a um dos governos de João Alves. Contudo, o grande momento de sua vida política de José Rollemberg Leite plasmou-se na segunda gestão (1975-1979), quando, dentro das circunstâncias da época, realizou uma das mais profícuas administrações do século XX nas terras de Sergipe.
Enfim, sua fortuna favorecia a chegada aos cargos, mas não dispensava dificuldades, que eram enfrentadas com suas virtudes sintonizadas com os valores da sociedade, motivo pelo qual terminou seus dias reconhecido como homem público realizador e probo.