HISTÓRIA DE ROSÁRIO DO CATETE
FILHOS ILUSTRES
* Por Luiz Antônio Barreto
.
Poucos homens construíram um perfil tão múltiplo, tanto na compreensão da realidade, quanto na criação de linguagens, como Antonio Garcia Filho, nascido em 1916 e falecido em 1999. Rosário do Catete não era apenas a terra de senhores de engenhos, de sobrenomes importantes na hierarquia endinheirada da região da Cotinguiba, (referência à Freguesia e não ao rio), era também um lugar de homens simples, como Antonio Garcia Sobrinho, misto de farmacêutico e funcionário público, chefe de uma prole de grandes vultos: Robério, Luiz, Carlos, José, Antonio, para falar apenas dos homens, que ganharam notoriedade em seus fazeres.
Havia também no Rosário, a família de Odilon Machado, que emigrou do Brejo Grande, para situar-se, depois, na medicina da Capela, outro lugar de muitos engenhos. E, ainda, o Rosário abrigava em seu território Maynard, o tenente Augusto, que ousou derrubar o águia Graccho Cardoso, na célebre Revolta de 13 de Julho de 1924. E há muito mais sobre aquele pequeno pedaço de Sergipe, para onde voltou, enlutada, o que restou da família Brito, mártires em Araraquara, São Paulo, e onde Francisco de Souza Porto, saindo de Nossa Senhora das Dores consolou, iria casar-se, e dar continuidade àquela linhagem marcada pela tragédia.
Homem probo, decente, de cedo agitou-se nas redações dos jornais, com o mesmo entusiasmo com que abraçava as suas causas, mesmo aquelas mais difíceis, como disputar com Santo Souza uma cadeira da Academia Sergipana de Letras. Douza, um grande poeta da língua, com obra e fortuna crítica fora do Estado, Antonio com um caderno de poemas. A disputa, evidentemente, não era estética, e a vaga era única e indivisível. Mais tarde os dois, tão presentes com seus textos nos jornais, estariam em tertúlias no Clube de Poesia, e em outros cantos que escapavam da chã de poucos fazeres e menos ainda saberes.
Havia, na Academia que ele mais tarde presidiu , lugar para os dois. E se um bradava falando de Orfeu e de outros nomes saídos das cosmogonias gregas, o outro cantava as coisas da terra, como o maçunim, o samba de São João, ou musicava versos de poetas consagrados, como Amália, de Garcia Rosa, Najara, de José Sampaio, ou fazia, como o fez, versos para Milena Mandarino, a Injustiçada, ou para a cidade, Aracaju, uma estrela que enchia de graça o seu coração rosarense.
Médico, clínico que superou a propedêutica dos hospitais nos quais trabalhou, com uma vocação quase sobrenatural para os diagnósticos, assim como era sensível com a dor alheia, dos amigos, como Freire Ribeiro, Silvério Fontes, Nunes Mendonça, que gozaram na sua inteligência clínica. Professor, ocupou o lugar que lhe cabia na Casa que ele criou, com argumentos imbatíveis, junto ao irmão governador. Assim como a Faculdade de Filosofia, católica em sua origem, tem a cara do então padre Luciano Duarte, a Faculdade de Medicina espelha aquele homem disposto, sempre destemido, que não arredou pé, jamais, de ver o Estado civilizando-se na independência da formação dos seus quadros superiores. Sergipe, pela enésima vez, rompia com a Bahia, deixava arquivada no passado a pasta dos sergipanos que estudaram na velha escola baiana.
No jornalismo político, em O Nordeste e na Gazeta Socialista, sempre com Orlando Dantas, Antonio Garcia era o socialista, que alcançara a tribuna da Câmara de Vereadores, alimentando o sentimento de justiça, que queria, um dia, identificá-lo com a liberdade. O peso da amizade e da solidariedade familiar baixou o prato da balança: Carlos, do Partido Comunista, também homem de letras, no jornal e nas revistas, também vereador, arribou na diáspora que levou os jovens agitadores daqui para o Rio de Janeiro, como foram Joel Silveira, Paulo Carvalho-Neto, Armindo Pereira, e outros que saíram de mansinho e jamais voltaram.
Antonio trocou o PSB engajado em outras lutas, pela companhia de Luiz Garcia, candidato a governador do Estado. Para ele uma candidatura cheia de simbolismo, pois o irmão iria subir aos píncaros antes ocupados pela nata que o açúcar havia produzido. Mais do que um homem de classe média, de letras e de direito, Luiz Garcia era, em pessoa, a chance de Sergipe avançar em muitos caminhos. Antonio, vitorioso, se fez triplo, como Secretário de Educação, de Cultura e de Saúde. Sergipe ganhou sua grande obra, dentre tantas que modelou com o barro do seu conhecimento e da sua sensibilidade.
Homem de virtudes, por consciência política, de artes, por dominar as linguagens da criação, de cultura, por sentir, diante do espetáculo do povo, a sensação que continuava menino, com suas fantasias lúdicas. Era um cantor, sendo médico, ou um médico que cantava, surpreendendo a todos com sua passada elegante e inconfundível, atravessando a Catedral,,para no seu altar, tornar sagrada a sua voz. Homem da disponibilidade, conhecia bairros e becos da boêmia, dormia tarde em sua casa, lia na sala, como poderia nos bares, reviver a saga das noites dos anônimos. Enfim, 83 anos que fluíram como um estrato que toma o ar para fazê-lo mais que uma necessidade, uma mecânica, fazer ser o cheiro do mundo espalhando-se em Aracaju.
Para dizer tudo do pai, só um filho e aquele diferenciado pela identidade, que foi discípulo sendo doutor, foi testemunho, sem palmilhar, necessariamente, os mesmos caminhos culturais. Eduardo Antonio Conde Garcia é mais que o filho de Antonio Garcia Filho, é, ele mesmo, um exemplar que fulgura como as estrelas, e que iguais a elas deixará o clarão de sua inteligência para os pósteros, como o varal do céu de hoje, a tanto tempo borrado pela imensidade de luzes velhas como os vagabundos que vagalumiam as noites do tempo próximo.
Antonio Garcia Filho e a Faculdade de Medicina de Sergipe – criador e criatura é mais que um depoimento, um capítulo de história, um registro marcado pela cronologia. É um exercício justo de emoldurar o pai e todos os outros que estavam nas mesmas fotos, com as mesmas idéias, com as mesmas intenções, com o mesmo despreendimento, lenhas da mesma acalorada fogueira, iluminando o futuro. Uma leitura imperdível (Aracaju: SERCORE Artes Gráficas, 2008).
Homem probo, decente, de cedo agitou-se nas redações dos jornais, com o mesmo entusiasmo com que abraçava as suas causas, mesmo aquelas mais difíceis, como disputar com Santo Souza uma cadeira da Academia Sergipana de Letras. Douza, um grande poeta da língua, com obra e fortuna crítica fora do Estado, Antonio com um caderno de poemas. A disputa, evidentemente, não era estética, e a vaga era única e indivisível. Mais tarde os dois, tão presentes com seus textos nos jornais, estariam em tertúlias no Clube de Poesia, e em outros cantos que escapavam da chã de poucos fazeres e menos ainda saberes.
Havia, na Academia que ele mais tarde presidiu , lugar para os dois. E se um bradava falando de Orfeu e de outros nomes saídos das cosmogonias gregas, o outro cantava as coisas da terra, como o maçunim, o samba de São João, ou musicava versos de poetas consagrados, como Amália, de Garcia Rosa, Najara, de José Sampaio, ou fazia, como o fez, versos para Milena Mandarino, a Injustiçada, ou para a cidade, Aracaju, uma estrela que enchia de graça o seu coração rosarense.
Médico, clínico que superou a propedêutica dos hospitais nos quais trabalhou, com uma vocação quase sobrenatural para os diagnósticos, assim como era sensível com a dor alheia, dos amigos, como Freire Ribeiro, Silvério Fontes, Nunes Mendonça, que gozaram na sua inteligência clínica. Professor, ocupou o lugar que lhe cabia na Casa que ele criou, com argumentos imbatíveis, junto ao irmão governador. Assim como a Faculdade de Filosofia, católica em sua origem, tem a cara do então padre Luciano Duarte, a Faculdade de Medicina espelha aquele homem disposto, sempre destemido, que não arredou pé, jamais, de ver o Estado civilizando-se na independência da formação dos seus quadros superiores. Sergipe, pela enésima vez, rompia com a Bahia, deixava arquivada no passado a pasta dos sergipanos que estudaram na velha escola baiana.
No jornalismo político, em O Nordeste e na Gazeta Socialista, sempre com Orlando Dantas, Antonio Garcia era o socialista, que alcançara a tribuna da Câmara de Vereadores, alimentando o sentimento de justiça, que queria, um dia, identificá-lo com a liberdade. O peso da amizade e da solidariedade familiar baixou o prato da balança: Carlos, do Partido Comunista, também homem de letras, no jornal e nas revistas, também vereador, arribou na diáspora que levou os jovens agitadores daqui para o Rio de Janeiro, como foram Joel Silveira, Paulo Carvalho-Neto, Armindo Pereira, e outros que saíram de mansinho e jamais voltaram.
Antonio trocou o PSB engajado em outras lutas, pela companhia de Luiz Garcia, candidato a governador do Estado. Para ele uma candidatura cheia de simbolismo, pois o irmão iria subir aos píncaros antes ocupados pela nata que o açúcar havia produzido. Mais do que um homem de classe média, de letras e de direito, Luiz Garcia era, em pessoa, a chance de Sergipe avançar em muitos caminhos. Antonio, vitorioso, se fez triplo, como Secretário de Educação, de Cultura e de Saúde. Sergipe ganhou sua grande obra, dentre tantas que modelou com o barro do seu conhecimento e da sua sensibilidade.
Homem de virtudes, por consciência política, de artes, por dominar as linguagens da criação, de cultura, por sentir, diante do espetáculo do povo, a sensação que continuava menino, com suas fantasias lúdicas. Era um cantor, sendo médico, ou um médico que cantava, surpreendendo a todos com sua passada elegante e inconfundível, atravessando a Catedral,,para no seu altar, tornar sagrada a sua voz. Homem da disponibilidade, conhecia bairros e becos da boêmia, dormia tarde em sua casa, lia na sala, como poderia nos bares, reviver a saga das noites dos anônimos. Enfim, 83 anos que fluíram como um estrato que toma o ar para fazê-lo mais que uma necessidade, uma mecânica, fazer ser o cheiro do mundo espalhando-se em Aracaju.
Para dizer tudo do pai, só um filho e aquele diferenciado pela identidade, que foi discípulo sendo doutor, foi testemunho, sem palmilhar, necessariamente, os mesmos caminhos culturais. Eduardo Antonio Conde Garcia é mais que o filho de Antonio Garcia Filho, é, ele mesmo, um exemplar que fulgura como as estrelas, e que iguais a elas deixará o clarão de sua inteligência para os pósteros, como o varal do céu de hoje, a tanto tempo borrado pela imensidade de luzes velhas como os vagabundos que vagalumiam as noites do tempo próximo.
Antonio Garcia Filho e a Faculdade de Medicina de Sergipe – criador e criatura é mais que um depoimento, um capítulo de história, um registro marcado pela cronologia. É um exercício justo de emoldurar o pai e todos os outros que estavam nas mesmas fotos, com as mesmas idéias, com as mesmas intenções, com o mesmo despreendimento, lenhas da mesma acalorada fogueira, iluminando o futuro. Uma leitura imperdível (Aracaju: SERCORE Artes Gráficas, 2008).
__________________________________
Jornalista, historiador e diretor do Instituto Tobias Barreto e ex-secretário de Estado da Cultura. Escreve para o Portal Infonet todos os sábados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário