A CONQUISTA DE SERGIPE DEL REY
Oito de Julho é a data em que se comemora a Emancipação Política de
Sergipe. Em teoria é a data cívica mais importante do calendário estadual.
Infelizmente, conforme relatei nesse texto de exatamente um ano atrás, o caráter comemorativo da data foi se perdendo
com o tempo, num misto de desinteresse das instituições (governamentais ou não)
de se valorizar e dar a conhecer os aspectos históricos e culturais de nosso estado,
bem como um certo sentimento de desapego do próprio sergipano para com esses
aspectos.
No contínuo esforço de se conhecer e, principalmente, dar a conhecer
esses e outros aspectos de Sergipe, iniciei uma pesquisa com o
intuito de resgatar a história do “descobrimento”, conquista e consequente
colonização de seu território (sem obviamente esquecer o massacre das tribos de
nativos), até sua emancipação da Bahia em 1820, assim como seus inúmeros
personagens. Contrariando minhas expectativas, encontrei em sites e livros um
rico material (ainda que com algumas lacunas sobre determinados fatos e
eventos) que, uma vez organizado, levou a um texto enorme, além de ter
consumido um longo período de dedicação e escrita que fatalmente impediria sua
publicação a tempo de ser postado no dia 08 de Julho, conforme minha intenção.
Assim, optei por dividir o material em três textos menores (mas nem tanto), os
quais irei postando a medida que forem sendo concluídos.
Nesse primeiro texto veremos como se deu o início da formação do estado
de Sergipe com a chegada dos portugueses às nossas praias em 1501, as primeiras
tentativas de colonização culminando numa guerra que levou ao extermínio de boa
parte dos seus habitantes originários, os indígenas, em 1590. O segundo texto contará
sobre a colonização propriamente dita, a invasão holandesa e anexação à
Capitania da Bahia abrangendo o período de tempo entre 1590 à 1763.
Finalmente no terceiro e último texto saberemos como se deu a emancipação
política, a luta pela sua confirmação e uma visão breve dos governos nos
primeiros anos de autonomia política até a mudança da capital de São Cristóvão para Aracaju em 1855.
Essa foi a maneira que encontrei para não apenas celebrar os 196 anos de
nossa Emancipação Política, mas especialmente nossa Sergipanidade: lembrando da história hoje virtualmente esquecida
pelos sergipanos.
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O primeiro relato histórico referente ao território do futuro Estado de
Sergipe é encontrado em carta do piloto florentino Américo
Vespúcio, onde são narrados os principais fatos ocorridos na primeira expedição
exploradora enviada ao Brasil pela Coroa Portuguesa, sob o comando de Gaspar
de Lemos em 1501. Informa-se nessa carta, que as três naus que compunham a
expedição tiveram dificuldades em desembarcar na altura do estuário do rio São
Francisco, encontrando mais ao sul praias que permitiam a frota ancorar,
favorecendo também o desembarque. Com base nesse relato, os historiadores
atuais concluem que esse desembarque ocorreu no litoral próximo à foz do rio Vaza-Barris.
A Expedição permaneceu cinco dias naquele local. Do contato com os
nativos, Vespúcio escreveu: “…assentamos de trazer deste lugar um par de
homens para aprender a língua e vieram três deles por sua vontade para o
Portugal.” Conforme conclui a historiadora Maria Thetis Nunes no livro
“Sergipe Colonial I” – de onde esse relato foi extraído –, foram estes os
primeiros sergipanos a emigrar. No local onde aportaram predominavam as tribos Tupinambás e Caetés, mas no
território viviam também os Aramurus e Kiriris nas margens dos rios São
Francisco e Jacaré, os Aramaris, Abacatiaras e Ramaris no interior, além dos
Boimés, Karapatós e os Natus.
Vista aérea
da foz do Rio Vaza-Barris atualmente
Com a divisão do Brasil pela Coroa em 15 Capitanias Hereditárias, em
1534, os Sertões do Rio Real (como a região era conhecida entre os
portugueses até então) foram integrados a Capitania da Bahia de Todos os
Santos, a qual foi doada a Francisco
Pereira Coutinho, português que fizera fortuna nas Índias. Em 1536
chegava o donatário à Bahia, dando inicio à colonização fundando, onde hoje se
encontra o Farol da Barra em Salvador, o Arraial do Pereira, mais tarde chamada
de Vila Velha do Pereira. Sua presença não teve nenhum efeito sobre Sergipe,
que, esquecido, favoreceu a ação de piratas franceses que contrabandeavam com a
colaboração dos Tupinambás os produtos da região, dentre eles o Pau-Brasil.
Tomé de
Souza durante a construção de Salvador
Em 1547, após se retirar para a vizinha Capitania de Porto Seguro devido
a divergências com alguns colonos, Francisco Pereira Coutinho retornava
para Salvador quando naufragou próximo à Ilha de Itaparica, sendo aprisionado e
morto pelos índios tupinambás. Com sua morte a Coroa compra a Capitania dos
herdeiros e a torna sede do Governo-Geral, novo sistema implantado em virtude
do fracasso do sistema anterior de Capitanias Hereditárias. Tomé
de Souza foi nomeado Governador Geral sendo uma de suas atribuições a
exploração das terras até o rio São Francisco.
Por essa época os Sertões do Rio Real já eram conhecidos pelo nome do
principal rio da região, chamado pelos indígenas de Siriípe, que
significa Rio dos Siris. No falar e principalmente no escrever dos
colonizadores Siriípe foi se transformando e assumindo as pronúncias
e grafias de Cirizipe, Cirigype, Serigype, até assumir sua forma atual: Sergipe.
Por encontrar-se em Capitania pertencente à Coroa Portuguesa, e também para
diferencia-la de uma localidade baiana chamada Sergipe do Conde, as terras
passaram a ser conhecidas como Sergipe Del Rey depois de sua conquista.
Apesar das ordens reais, nem Tomé de Souza e nem seus sucessores Duarte
da Costa e Mem de Sá tiveram êxito em explorar as terras sergipanas. Mas onde
os colonizadores falhavam, tinham sucesso os jesuítas através de suas
expedições missionárias, que adentravam os sertões inexplorados pelos
portugueses com o objetivo de catequizar os selvagens indígenas.
No entanto, no governo de Mem de Sá, foi realizada uma grande
perseguição aos índios, com o pretexto de puni-los por terem devorado Dom Pero
Fernandes Sardinha, o Primeiro Bispo do Brasil, em 1556, durante o governo de
seu antecessor, Duarte da Costa. A violência foi tamanha que, com a denúncia
dos jesuítas dos crimes à corte, essa decidiu que a guerra era
injusta, ordenando que os índios capturados fossem postos em
liberdade. Devido a essa perseguição os indígenas do território sergipano
passaram a odiar e temer os portugueses, intensificando sua aliança com os
franceses.
Essa perseguição não impediu que, em 1575, o Padre Gaspar Lourenço
e o Padre João Salônio, em expedição missionária da qual faziam parte
alguns colonos e um grupo de soldados da Bahia, atravessem o Rio Real e ergam
uma capela jesuítica nas proximidades do rio Piauí e uma escola, chamada
de São Sebastião, tendo o Padre João Salônio o seu professor. Ali acabou sendo
fundado pouco depois o povoado de São Tomé por Garcia
D’Ávila a quem o Governador de Salvador Luís de Brito delegara o início
da colonização de Sergipe e que muito provavelmente comandava a expedição. Mais
tarde a vila seria rebatizada de Vila de Santa Luzia do Piaguy (como era
grafado o nome do rio Piauí) e posteriormente Vila de Santa
Luzia de Itanhy, a qual deu origem a cidade atual com mesmo nome.
Os padres ainda construiriam mais adiante na margem direita do rio Vaza-Barris
a igreja de Santo Inácio, próximo da atual cidade de Itaporanga D’Ajuda,
e a igreja de São Paulo no litoral em alguma localidade próximo de onde séculos
mais tarde se ergueria a atual capital, Aracaju. A empreitada dos
padres contou com a colaboração e apoio de três líderes locais, que entrariam
para a história de Sergipe: os Caciques Aperipê (líder as terras do rio
Real até próximo ao rio Vaza-Barris), Surubi (líder da região do rio
Vaza-Barris) e aquele que viria a ser seu principal líder, o Cacique Serigy
(no litoral).
Atual Igreja
de Santa Luzia do Itanhy
Infelizmente a colaboração com os jesuítas terminaria de forma trágica.
Insatisfeito com a atuação dos padres, o Governador Luís de Brito não aprovou a
fundação do povoado de São Tomé, e, sob determinação do governo português,
ainda em 1575, atravessou o rio Real com um exército de soldados e moradores da
Bahia. Os padres mandaram avisos de que os índios não desejavam confrontos e
estavam dispostos a tornarem-se cristãos, mas o governador não lhes deu
ouvidos. Na realidade, o interesse do governo luso não era o de catequizar os
índios, mas sim que fossem pacificados pelos padres, facilitando assim sua
captura e a conquista de suas terras.
Receando o avanço das tropas os índios fugiram das Missões, levando Luis
de Brito a usar essa fuga como pretexto para caçar os fugitivos alegando “uma
quebra da paz” dando inicio a um ataque violento e mortal sobre as aldeias. Na
luta que se travou os indígenas, pegos de surpresa, tiveram suas aldeias
destruídas, morrendo Surubi com um tiro de mosquete ao defender o Povoado de
Santo Inácio, o qual também foi destruído. Aperipê foi seguido por homens do
governador por cerca de cinquenta léguas, mas conseguiu escapar. Os índios
sobreviventes escaparam da captura fugindo para o interior juntamente com
Aperipê. Durante os combates foram capturados mais de mil e duzentos índios.
Esses foram transportados para Salvador onde, em pouco mais de um ano de
cativeiro a varíola e o sarampo matou metade deles.
Cidade de
Itaporanga D’Ajuda: Foi nessa região que Surubi foi morto ao tentar defender
seu povo do ataque ao Povoado de Santo Inácio
Para vingar a morte de Surubi, Serigy se uniu aos seus irmãos Siriri
e Pacatuba (líderes das terras dos atuais rios Sergipe ao Siriri e entre
os rios Poxim do Norte e São Francisco, respectivamente). Aos irmãos se uniriam
ainda os Caciques Japaratuba e também Aperipê. Juntos formulam um plano
de vingança. Solicitam o envio de nova missão jesuítica sob uma suposta
alegação de paz. Apesar dos reforços enviados com os jesuítas, foram todos
mortos, dando início à, assim chamada pela Coroa Portuguesa, “guerra justa”
contra os indígenas.
Com o apoio dos quatro chefes indígenas Serigy estruturou uma forte
milícia dentre os jovens guerreiros de sua tribo, reforçada pelos guerreiros
das demais aldeias. Acredita-se que em torno de 20.000 índios fizessem parte
dessa formação, com 1.800 deles mobilizados e prontos para o combate defendendo
as terras sergipanas do invasor português, com um segundo agrupamento em
constante treinamento de aproximadamente 1.000 guerreiros, cuja função era
substituir prontamente os mortos na linha de frente. O próprio Serigy,
auxiliado por seus comandados, escolhia os mais fortes e ágeis no manejo das
flechas, zarabatanas e armas de fogo. Essas últimas eram conseguidas através de
relações de troca com os franceses.
Estátua
representando o Cacique Serigy, localizada no Palácio Serigy no Centro
histórico de Aracaju
Sob o comando de Serigy, os índios sergipanos resistiram aos ataques
portugueses até o ano de 1590. Devido a sua localização privilegiada entre a
capital da Colônia e a próspera Capitania de Pernambuco, os portugueses
precisavam criar caminhos seguros através do território sergipano. Mas todas
essas tentativas foram rechaçadas pelos homens dos cinco caciques defensores
das terras sergipanas.
O destino dos guerreiros de Serigy viria a mudar quando, cansado das
constantes derrotas, o governo colonial deu ao então governador de Salvador, o
Capitão-Mor Cristóvão de Barros, o comando de uma esquadra de guerra e a chefia
de uma milícia a soldo ao quais se juntaram aventureiros e colonos baianos. Nas
palavras de Luis Antônio Barreto, destacado historiador e jornalista sergipano,
Cristóvão de Barros era um “veterano em dizimar índios”, tendo atuado junto a
Mem de Sá em 1566, quando socorreram os moradores do Rio de Janeiro expulsando
e massacrando os índios tamoios que ali viviam.
Nos últimos meses de 1589 a esquadra chega ao litoral sergipano na
região controlada por Serigy. Travam-se intensas batalhas e, segundo alguns
relatos não confirmados, o próprio Cristóvão de Barros teria tentado negociar
um acordo com Serigy para fundar uma cidade nas margens do rio Sergipe, pois
desejava evitar mais confrontos sangrentos. O líder indígena, no entanto
rejeitou o acordo, pois sabia que essa seria o início da colonização e do
extermínio de seu povo.
Seguiu-se uma intensa batalha e, após quase um mês de lutas, “na noite
de ano novo de 1590, quando os arcos e flechas dos guerreiros de Baepeba (como
também era conhecido Serigy) e seus aliados sucumbem aos arcabuzes das tropas
portuguesas, o que se declara é que já não é possível deter o avanço dos
conquistadores,” conforme relatado por Beatriz Góis Dantas, professora de
Antropologia da UFS. As fontes históricas sobre o que aconteceu após a batalha
falam pouco sobre o destino dos cinco caciques que resistiram até o fim.
Acredita-se que, uma vez que não foi relatada a captura de nenhum deles, tenham
morrido na batalha Aperipê, Siriri, Pacatuba e Japaratuba. Serigy teria sido o
único capturado e enviado à prisão na Bahia onde morreu devido a uma greve de
fome contra a escravidão que lhe fora imposta. Seria esse o último ato de
rebeldia do guerreiro, ao qual se somou uma maldição lançada com seus últimos
suspiros sobre as terras conquistadas: “Nada que se fizer por aqueles prados
dará certo!” Infelizmente o colonizador não tinha interesse em documentar com
detalhes nada que dissesse respeito aos nativos, por isso esses fatos não podem
ser confirmados, embora seu caráter lendário ajude a enriquecer o contexto cultural
sergipano.
Com a conquista, Cristóvão de Barros funda a cidade de São Cristóvão –
próximo às praias onde 265 anos depois seria construída a cidade de Aracaju -,
a quarta mais antiga do Brasil, e a torna sede do governo da Capitania a qual
oficializou o nome de Sergipe Del Rey. Em 1763 Sergipe seria incorporada,
juntamente com as capitanias de Ilhéus e Porto Seguro à Capitania da Bahia a
qual só terminaria em 08 de julho de 1820, quando da Emancipação Política
promulgada por Dom João VI.
O saldo da “guerra justa” contou com mais de 4.000 índios escravizados e
cerca de 2.400 mortos. No entanto, o etnocídio e o genocídio das tribos
indígenas de Sergipe não parou aí, estendendo-se por todo o século XVII e XVIII
com o avanço para o interior e às margens do São Francisco onde se refugiaram
os poucos sobreviventes da Guerra de Conquista de Sergipe. Resistindo ao
desaparecimento, sobrou apenas a comunidade indígena Xokó, na antiga Missão de
São Pedro em Porto da Folha, município do sertão sergipano às margens do rio
São Francisco.
Brasão da
capitania de Sergipe Del Rey