O Político José Rollemberg Leite (1912-1996)
Ibarê Dantas
Quando pesquisava sobre os governos de José Rollemberg Leite para
escrever meus livros, dois aspectos de certo modo contraditórios me chamaram
atenção na sua trajetória política. Em
primeiro lugar, a sorte, ou para usar um termo de maior densidade, criado por
Maquiavel, a fortuna. O segundo
aspecto refere-se às dificuldades que atravessou, sobretudo em sua primeira
gestão (1947-1951).
Originário de família tradicional de Sergipe, bisneto do
Barão de Estância, embora seu pai, o médico Sílvio Cezar Leite, não tivesse
vivência partidária, a família de sua mãe, Lourença Rolemberg Leite, tinha
longa militância política.
Quanto ao filho, não sei quando revelou ambições políticas. Sabe-se
que, após graduar-se em Engenharia de Minas e Civil na Escola de Ouro Preto
(MG), começou a lecionar, e seu irmão, Francisco Leite Neto, que ocupava a
Secretaria Geral na segunda interventoria de Augusto Maynard Gomes (1943-1945),
concorreu para fazê-lo diretor do Departamento de Educação e Obras.
Como ocorreria no decorrer de sua vida, o novo diretor desempenhou
suas funções com seriedade. Nos estertores do Estado Novo, Maynard promoveu a
criação do PSD, ao qual José Leite, membro do secretariado, filiou-se. Pouco
tempo depois, Vargas e Maynard foram depostos e, na eleição para a Constituinte
de 1946, os pessedistas ficaram aquém da UDN e do PR que, juntos, elegeram os
dois senadores e três deputados federais.
No pleito seguinte (1947) para governador, o PSD uniu-se ao PR
de Júlio Leite, mas como este não gostava do sobrinho Leite Neto, a alternativa
foi indicar José Leite, um jovem senhor sem arestas, sóbrio, contido, discreto,
que estaria por revelar-se como Executivo.
A UDN lançou o advogado Luiz Garcia, que dirigia o Correio de Aracaju, e aliou-se ao
Partido Comunista na fase de maior expansão de sua história. A Liga Eleitoral
Católica (LEC) entrou na campanha anticomunista exaltada, e José Leite, um
homem circunspecto, avesso a confusão, com discurso de gente acanhada, viu-se
no centro de uma celeuma medonha de debates e discussões acaloradas. Vitorioso,
tratou da montagem do secretariado possível dentro das exigências da aliança. Empossado em fins de março de 1947, deparou-se
com uma situação difícil. Finanças limitadas, oposição forte e aguerrida, num
quadro nacional de embates ideológicos que se acentuaram quando o TSE cassou o
mandato dos parlamentares do PCB. Em várias cidades do país, desencadearam-se
manifestações dos trabalhadores. O presidente da República marechal Dutra,
alinhado à política da Guerra Fria, enviava boletins aos governos estaduais,
ordenando rigor contra os comunistas que, em Aracaju, promoviam comícios. Num
deles, a cavalaria da polícia investiu contra a massa em frente ao cinema Rio
Branco e um tiro matou o operário Anísio Dário. Os comunistas ganharam um
mártir e o governo, um problema.
O Departamento de Segurança Pública divulgou nota atribuindo
o fato aos próprios camaradas, aumentando a indignação. A repressão prosseguiu,
apreendendo jornais e detendo trabalhadores ativistas. Armando Domingues,
deputado estadual eleito pelo PCB, também foi cassado, enquanto as críticas ao
governo proliferavam. No Senado, Walter Franco (UDN) pediu CPI. Na Câmara dos
Deputados, Leandro Maciel fazia discursos duros. Na Assembleia, representantes
da UDN, do PTB e da Esquerda Democrática fustigavam os situacionistas. Nas ruas,
os sindicatos e outras associações protestavam. Enquanto isso, o funcionalismo
reclamava aumento, que foi aprovado pela Assembleia, que podia criar despesas.
O governo vetou-o, aumentando seu desgaste. Os desembargadores se incorporam
aos insatisfeitos. No interior, os delegados abusavam da autoridade,
exasperando os adversários e dando margem a frequentes denúncias na imprensa. O
Correio de Aracaju da UDN, a Gazeta Socialista de Orlando Dantas e a Folha Trabalhista de Francisco Macedo veiculavam
denúncias e criticavam a administração. No Rio de Janeiro, Joel Silveira no Diário de Notícias vez por outra
divulgava seus petardos contra a gestão dos Leite. Os próprios
correligionários, como Manuel Teles (PSD) em Itabaiana, abusavam do contrabando
deixando os governistas incomodados. Os problemas de relacionamento entre os
secretários do PR X PSD se amiudavam.
Nesse clima de críticas e de questões adversas, o governador resisitia,
exercitando a tolerância para não sucumbir às pressões dos grupos de interesse.
No auge da polêmica sobre a morte de Anísio Dário, a divulgação do convênio com
o governo federal, facultando a Sergipe um projeto piloto na área da educação,
deu à gestão de José Leite um oportuno alento. Ao final, 218 Escolas Rurais, sete
Grupos e duas Escolas Normais foram construídas (Cf. Mensagem de 1951). Nesse
embalo, o governo criou as duas primeiras faculdades: Economia e Química, projetando
seus feitos no campo de instrução como principal marca de sua gestão. Ademais,
a triplicação da força da energia elétrica, a melhoria do abastecimento de água
e a ampliação da rede rodoviária, entre outras realizações, dentro de um estilo
de zelo pela coisa pública, ajudaram a fortalecer o legado de sua
administração.
Ao fim de seu mandato, o mano Leite Neto tentou controlar o
processo sucessório, mas as reações dos próceres do PR geraram situações
embaraçosas, como foi a rejeição do honrado Gervásio Prata. Apesar disso, a
coligação elegeu seu sucessor e José Leite voltou ao magistério e a exercer sua
profissão de engenheiro ao lado de seu amigo Fernando Porto.
Na sucessão do governo Leandro Maciel, em 1958, quando a UDN
imperava, a coalizão PSD-PR, sem muitas opções de quadros, lançou José Leite para
enfrentar Luiz Garcia (UDN) que dessa vez venceu. Mais tarde, em 1962, Leite
Neto foi eleito senador, entretanto, faleceu em 1964. Como José Leite era o suplente,
o homem de sorte substituiu-o por cinco anos (1965-1970) num dos mandatos mais
tranquilos e cobiçados. Todavia, sua atuação ocorria numa fase conturbada do
Estado Autoritário, pontuada de momentos incômodos, num tempo em que as reações
dos partidos e de vários setores da sociedade exacerbavam-se, terminando por levar
o general presidente a editar o AI-5 e fechar o Congresso, inaugurando um novo
ciclo repressivo. Antes desse desfecho, José R. Leite, incorporado aos quadros
da ARENA, na primeira escolha para governador indireto, perdeu em convenção por
um voto para Lourival Batista, mas foi eleito presidente do Diretório daquela
agremiação.
Nos idos de 1974, o senador Petrônio Portela veio a Sergipe
ouvir os pretendentes a substituir o governo Paulo Barreto de Menezes. Numa
longa e informativa entrevista que me concedeu vinte anos depois, José Leite me
contou o episódio com muita graça e um certo ar de satisfação.
Depois de ouvidos individualmente onze aspirantes ao cargo,
Petrônio foi embora e ficou acertado que o anúncio do escolhido seria comunicado
ao presidente da ARENA. Em face disso, a residência de José Leite permaneceu ocupada
dias após dias por ansiosos pré-candidatos a incomodar a família com seus
vozerios e especulações até altas horas da noite. Um mês depois, o dono da casa,
que, com seu aparente desprendimento, não constava da relação dos onze, foi o escolhido.
A aura de homem de fortuna afirmou-se.
Sorte também para Sergipe.
Com sua autoridade moral e grande respeitabilidade política,
no período inicial da abertura do regime sinalizou com firmeza pela renovação
administrativa. Arejou a Secretaria da Justiça e a direção do Banco do Estado,
entre outros setores. Diante dos órgãos de segurança, resistiu às suas
imposições, nomeando nomes vetados e mantendo funcionários tidos como subversivos.
Mas nem tudo foi sucesso. Dentro de uma estratégia nacional, os generais
promoveram a Operação Cajueiro em 1976, quando afastaram os oficiais do 28º BC
e criaram lá dentro um enclave coercitivo, prendendo e torturando cerca de 30
cidadãos, com o objetivo de debilitar o PCB. Para o governador, que se sentiu
impotente para intervir, foi um grande constrangimento.
Não
obstante esse fato lamentável, José Leite, com experiência e visão de conjunto da administração
estadual, empenhou-se em atender os objetivos técnicos voltados para o
desenvolvimento do Estado, sem desprezar as demandas políticas. Visando montar
uma infraestrutura básica para uma política industrial, pelo menos a médio
prazo, criou vários órgãos públicos vitais e melhorou os serviços essenciais
(água, luz, educação, transporte e habitação) dentro do processo de
modernização do setor público. Sem estardalhaço, iniciou as obras da adutora do
São Francisco e tomou decisões marcantes sobre a localização do porto. Dirigiu a coisa pública com senso de
proporcionalidade, temperando os pleitos dos técnicos com as pressões dos
correligionários, sem a ilusão da tecnocracia e a instrumentalização das
secretarias pelos políticos.
Depois,
ainda serviu a um dos governos de João Alves. Contudo, o grande momento de sua
vida política de José
Rollemberg Leite plasmou-se na segunda gestão (1975-1979), quando,
dentro das circunstâncias da época, realizou uma das mais profícuas
administrações do século XX nas terras de Sergipe.
Enfim, sua
fortuna favorecia a chegada aos cargos, mas não dispensava dificuldades, que
eram enfrentadas com suas virtudes sintonizadas com os valores da sociedade,
motivo pelo qual terminou seus dias reconhecido como homem público realizador e
probo.