SERGIPE NO PERÍODO IMPERIAL
Evande dos Santos
A VIDA POLÍTICA DE SERGIPE NO
PRIMEIRO REINADO
Com a sua emancipação
política consolidada, Sergipe integrou-se a ordem política do Império
brasileiro. Na fase que antecedeu a chegada do primeiro presidente nomeado pelo
imperador, o governo da Província continuou sendo exercido pela junta
governativa provisória, composta de cinco membros e presidida por Leite
Sampaio.
Foi de lutas o período em
que a junta governativa esteve à frente do governo. O comandante das armas
Barros Pimentel, por não ter podido presidir a junta governativa, como era de
seu desejo, tentou depô-la, para isso fazendo de Laranjeiras a capital militar
e procurando o apoio dos oficiais dos corpos de segunda linha e ordenanças.
Frustrados os seus intentos, voltou a São Cristóvão para assumir o comando
militar.
Na capital da Província
os antagonismos continuaram entre o poder militar, e o civil representado pela
junta, só extinguindo-se quando Barros Pimentel, acusado de malversação com os
donativos militares para a luta pela independência do Brasil, abandonou o posto
e refugiou-se na Bahia, pois fora aberta uma devassa contra ele.
Seguindo instruções
vindas da capital do Império, em junho de 1823 foram convocadas eleições para
eleger os deputados sergipanos que iriam representar a Província na Assembleia
Constituinte (que já estava em funcionamento desde 3 de maio de 1823) e também
escolher os novos membros para compor a junta governativa efetiva. Começando um
hábito político que será corriqueiro em outros momentos da história provincial,
o pleito eleitoral foi realizado em meios a tumultos e violências em várias
partes de Sergipe.
Perturbação mais grave
aconteceu quando a junta governativa provisória, não querendo deixar a direção
do governo, ante as possibilidades de vitória do grupo oposicionista liderado
pelo fazendeiro Fernandes Chaves, dificultou a apuração dos votos e
posteriormente não reconheceu o triunfo da facção opositora. Devido à atitude
firme da Câmara Municipal de fazer valer o resultado do pleito, esta foi
cercada pela força armada, os camaristas foram presos e as atas roubadas e
fraudadas em favor do grupo situacionista.
Assim, com manifestações
hostis a liberdade do voto e agindo de uma forma truculenta a junta governativa
provisória permaneceu no poder.
Em 20 de outubro de 1823,
o governo imperial outorgou a lei “que deu forma ao governo das Províncias,
criando para cada uma delas o cargo de Presidente, estabeleceu também o
Conselho de Governo, de seis membros, eleitos da mesma forma pela qual se
elegia os deputados. O conselheiro mais votado seria o Vice-Presidente da
Província, substituído, por sua vez, nos seus impedimentos, pelos demais
conselheiros, na ordem dos sufrágios obtidos”. (1)
O primeiro presidente
nomeado para Sergipe pelo imperador foi o brigadeiro Fernandes da Silveira que
tomou posse em 5 de março de 1824.
Nessa época já havia dois
agrupamentos políticos na Província, que surgiram durante as lutas pela
autonomia sergipana: os que lutaram pela emancipação de Sergipe compunha o partido
chamado liberal, que fazia oposição ao partido dito corcunda,
composto por grande número de lusitanos e por sergipanos que antes advogavam o
atrelamento de Sergipe à Bahia. Surpreendentemente era figura ascendente entre
os liberais Barros Pimentel, o qual havia regressado a Província e em um
passado recente havia defendido princípios totalmente contrários, enquanto José
Mateus Leite Sampaio era uma personalidade proeminente do partido corcunda.
Aliás, o historiador Felisbelo Freire aponta ambos os personagens como chefes
dos dois grupos políticos mencionados e não esconde a sua perplexidade: “É um
verdadeiro dislate.
“Barros Pimentel, chefe
da recolonização de Sergipe, chefe também do partido liberal.
“José Mateus, o
propugnador da emancipação de sua província, chefe dos corcundas, dos
retardatários”. (2)
Intensas rivalidades
partidárias e uma forte onda de antilusitanismo caracterizaram essa fase da
história política sergipana. O ambiente político assim caracterizado não
permitiu que o brigadeiro Fernandes da Silveira realizasse uma boa
administração. Governou apoiado pelos liberais, enquanto os corcundas
criaram-lhes todo tipo de dificuldade fazendo com que a sua gestão fosse
uma das mais agitadas da história da Província.
Já em 21 de abril de
1824, o seu governo teve que enfrentar a revolta da guarnição militar, pelo
fato de não haver dinheiro nos cofres públicos para pagar os seus soldos. A
situação tornou-se mais grave, quando os corcundas sabendo ter perdido
as eleições para membros do Conselho de Governo, tentou depor o presidente,
aliciando a tropa insatisfeita. A revolta então assumiu grandes proporções. O
presidente sem forças para resistir retirou-se para Estância. Antes lançou um
manifesto ao povo e a tropa, expondo as razões da fuga e conclamando-os a
apoiarem o governo legal.
Com o governo acéfalo, os
corcundas pretenderam entrega-lo ao juiz ordinário que não aceitou
assumir a presidência da Província. Os revoltosos também pretendiam expurgar da
relação dos eleitos para membros do Conselho de Governo os que lhes eram
adversos. Para substituir os membros afastados, os insurretos convocaram novas
eleições, mas os eleitores não compareceram. Diante desses fatos, a insurreição
fracassou e os soldados foram a Estância trazer de volta o presidente o qual em
meios a grandes festas retornou a capital em 8 de maio de 1824.
Após a revolta ter sido
debelada, os seus promotores foram indiciados, os oficiais rebeldes foram
exonerados, presos e enviados a Salvador para serem julgados. Outros foram
vítimas (inclusive muitos portugueses) da sanha vingativa de membros do
governo, sendo violentamente espancados, instigados pelo mestiço Pereira
Rebouças.
O mulato Pereira Rebouças
exercia o cargo de Secretário de Governo e foi à figura central do governo do brigadeiro
Fernandes da Silveira. Ao mesmo tempo em que foi a alma da resistência ao
governo legal, pelas suas ideias avançadas e “perigosas” para a época, tornou-se
um gerador de discórdias na Província. Defensor de igualdade de direitos
extensivos aos negros e com manifestas simpatias pela forma de governo
republicana (quando o regime monárquico ainda estava se firmando e no Nordeste
estava ocorrendo a Confederação do Equador), ele criou um clima de tensão na Província
(sobretudo pelo cargo que ocupava) alarmando os senhores escravocratas que viam
a monarquia como o sistema político ideal e único capaz de garantir a estrutura
sócio-econômica que lhes beneficiavam.
Mas esse inimigo dos
privilégios aristocráticos e propagador de ideias subversivas para a época
encontrou pela frente a forte oposição do novo comandante das armas, o
português Silva Daltro, que logo ao chegar a Província se posicionou contra as
agressividades praticadas contra seus patrícios. Aproveitando-se das
desinteligências entre o governo e o comando militar, o grupo oposicionista
atraiu Silva Daltro para as suas fileiras, surgindo novos confrontos com sérios
prejuízos para a segurança pública.
Com o crescimento das
dissenções surgiu mais uma tentativa de deposição do presidente.
Aproveitando-se de um temor gerado pela Confederação do Equador, Silva Daltro,
alegando que havia uma tentativa de implantar a república na Província, em
princípios de novembro de 1824 convocou os seus partidários, os senhores de
engenho de Laranjeiras, Itaporanga e Rosário, para junto com seus agregados e
escravos destituir o presidente.
Mas ao saber dos intentos
do comandante militar, o governo imediatamente convocou o Conselho de Governo (que
havia sido instalado em 23 de junho de 1824) e intimou Silva Daltro a
comparecer ao mesmo. O comandante das armas compareceu diante de um conselho
reunido em sessão permanente, no qual foi acusado de perturbação da ordem
pública. O oficial defendeu-se, mas sem apoio entre os membros do conselho foi obrigado
a deixar a Província. A partir daí, o governo resolveu ser mais prudente reter
em suas mãos o comando militar (em caráter excepcional) a fim de evitar
possíveis novos conflitos.
Ainda no governo do
brigadeiro Fernandes da Silveira, em 6 de julho de 1824 foi jurada em Sergipe a
Constituição do Império, outorgada em 25 de março de 1824.
Pela Constituição de 25
de março de 1824, o Brasil adotou a monarquia como forma de governo. A
monarquia brasileira era hereditária, constitucional e representativa. Representava
a nação o imperador e a Assembleia Geral, sendo que esta se compunha de duas câmaras:
a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Senadores ou Senado.
A Câmara dos Deputados
era eletiva e temporária. Cada legislatura tinha uma durabilidade de três anos.
O Senado era vitalício e organizado por eleição provincial. As eleições para
senadores eram feitas em listas tríplices e dos três candidatos eleitos o
imperador escolhia um e nomeava-o senador.
A Constituição imperial
fez do Brasil uma monarquia unitária estando as Províncias inteiramente
subordinadas ao poder central. Estas continuavam sendo administradas por
presidentes, nomeados pelo imperador, que os podiam removerem quando
entendesse, se assim fosse conveniente ao bom serviço do Estado.
Em substituição ao
Conselho de Governo, que continuava existindo, auxiliando o presidente da Província
como um órgão consultivo, a Carta Magna imperial criou os Conselhos Gerais da
Província, que tinha por principal objetivo a discursão e deliberação sobre os
negócios de cada Província, formando projetos peculiares e relacionados ao meio
ambiente local.
As Câmaras Municipais,
com tão longa e heroica presença na história brasileira, teve a sua existência
reconhecida pela Constituição do Império. A elas competiam o governo econômico
e municipal das vilas e cidades do Brasil imperial. Eram eletivas e compostas
do número de vereadores designados por lei.
Ao regularizar as
eleições, a Constituição imperial optou pela eleição indireta e em duas fases:
na primeira fase (as eleições primárias), um grupo de cidadãos que preenchessem
os requisitos legais, dentre os quais o de terem uma renda líquida anual de cem
mil réis elegeriam os eleitores de Província, e estes os representantes da
nação (deputados e senadores) e os membros dos Conselhos Gerais da Província.
Para ser um eleitor de Província
exigia-se uma renda líquida anual de duzentos mil réis. A condição financeira
do cidadão, da mesma forma, era um dos requisitos básicos para se eleger
deputado (quatrocentos mil réis de renda líquida anual) e senador (ter um
rendimento anual de oitocentos mil réis).
Assim, a primeira Carta Magna
de nosso País restringia a participação política aos que gozassem de uma boa
situação econômica e social. Negava direito ao voto a maioria da população
brasileira, ou seja, aos que não tinham uma renda líquida anual de cem mil réis
(quantia significante na época), e também aos que não professassem a religião
do Estado – o Catolicismo -, as mulheres e naturalmente os escravos. O
Liberalismo que desde as suas origens na Europa foi a ideologia dos grandes proprietários,
fundamentou a Constituição imperial, Liberalismo esse que os senhores agrários
adaptaram à realidade brasileira em prol dos seus interesses.
Mas o triunfo do Liberalismo
no Brasil não foi completo, pois encontrou pela frente a indisposição do
imperador de governar conforme o modelo do parlamentarismo inglês, sendo
somente chefe de Estado. De caráter autocrático, D. Pedro I entrou em atrito
com a Assembleia Constituinte, dissolveu-a e outorgou a Constituição de 1824
criando o poder Moderador, que lhe dava amplos poderes e satisfazia as suas
tendências absolutistas. Essa atitude do imperador frustrou os anseios daqueles
que se batiam pela implantação de um sistema de governo (no caso o parlamentarismo)
como pregava a ideologia liberal
.
Por outro lado, em
Pernambuco, onde o Liberalismo radical tinha um grande número de adeptos (desde
a Revolução Pernambucana de 1817), eclodiu um movimento armado conhecido como
Confederação do Equador, em protesto à Constituição de 1824. Fatores que
contribuíram para a conflagração do conflito foram à intensa rivalidade que
havia entre brasileiros e portugueses e as ideias republicanas (intimamente
ligadas aos princípios do Liberalismo radical) difundidas na Província e
largamente aceitas por intelectuais, oficiais e sacerdotes.
Esse movimento de cunho
separatista e republicano teve como chefe Manoel de Carvalho Pais de Andrade e
contou com a adesão das Províncias da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Sergipe não se envolveu
nessa conflagração. Não existia na Província no ano de 1824 uma ‘‘inteligência’
como a que florescia em Pernambuco ou Bahia, que dava plena acolhida as ideias
liberais” (3)
Por isso também, as
ideias republicanas que os emissários dos revolucionários de 1824 propagaram na
Província, já no ano de 1826 e quando a revolta já havia sido sufocada, não
tiveram receptividade.
Após uma fase de
tranquilidade política no curto período de governo de Cavalcanti de Albuquerque
(1825-1826), a vida política de Sergipe voltou a ser marcada por lutas
partidárias.
Praticamente a partir desse
tempo o domínio político da Província quase que só esteve nas mãos dos corcundas,
os quais com seus atos de prepotência geraram mais de um conflito, por ocasião
dos pleitos eleitorais.
O antilusitanismo, que
junto com as lutas político-partidárias marcaram a história política de Sergipe
no Primeiro Reinado, continuou, havendo manifestações contra os portugueses em
diversas ocasiões e em diversos lugares da Província.
Em junho de 1825 na
próspera povoação de Laranjeiras houve fortes protestos contra a determinação
do governo imperial de reintegrar nos postos os oficiais portugueses que haviam
sido destituídos durante as lutas pela independência do Brasil. Em Itabaiana
pelo mesmo motivo houve um movimento de contestação “manifestando-se através de
desordens ou roubos às propriedades lusas.” (4)
No ano de 1830 “os
acontecimentos nativistas que ocorriam em Pernambuco e Bahia impressionavam os
sergipanos. ‘As notícias falsas’ espalhadas estimularam sequestro de bens dos
portugueses, residentes em Sergipe, fazendo que muitas famílias, amedrontadas,
se retirassem de São Cristóvão.” (5).
A lusofobia dos
sergipanos atingiu o auge por ocasião da renúncia de D. Pedro I ao trono brasileiro.
A notícia da abdicação do imperador chegou a Sergipe em 28 de abril de 1831 e
foi recebida com festas pela população da capital da Província. Como o partido
corcunda, que estava no poder, hesitasse em tomar uma posição a respeito
do fato, o povo reuniu-se na praça do palácio presidencial e exigiu através de
representação a convocação do Conselho de Governo em caráter urgente e
extraordinário, e também a demissão dos portugueses da administração pública.
O vice-presidente Manoel
de Deus Machado que governava a Província naquele momento, com o apoio do
comandante das Armas Bento de Melo Pereira procurou protelar as exigências
populares. Mas diante de forte pressão popular que tinha o apoio da tropa foi
obrigado a ceder.
Em consequência desses
acontecimentos, Manoel de Deus Machado bem como o comandante das armas, ambos
do partido corcunda e identificados com a facção lusitana em
Sergipe, renunciaram aos seus cargos.
O antilusitanismo nesse
momento era tão forte em Sergipe, assim como no Brasil inteiro, que de acordo
com as normas legais vigentes deveria ocupar a Presidência da Província José
Pinto, o membro do Conselho de Governo mais votado, mas por ser português foi
impedido de assumir o posto, sendo o governo entregue ao padre Menezes Sobral.
Para reivindicar os
direitos do conselheiro José Pinto, ao qual estava ligado por laços familiares,
Almeida Boto, o futuro grande chefe político de Sergipe por vários anos,
convocou reuniões em Maruim e Rosário. Espírito belicoso, Almeida Boto logo deu
as essas reuniões feições de revolta. Porém o padre Menezes Sobral tomou
imediatas providências em conjunto com o comandante interino das armas, o brigadeiro
Neves Horta, impedindo uma mobilização maior da facção adversa – corcundas
e portugueses.
Posteriormente todas as
Câmaras Municipais sergipanas aclamaram o imperador D. Pedro II e a Província
entrou numa nova fase da história do Brasil, o Período Regencial.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
(1)
Castro, Renato Berbert de: A Tipografia
Imperial e Nacional, da Bahia, Ática, 1984, São Paulo, pág. 33.
(2)
Freire, Felisbelo: História de Sergipe,
2ª edição, Petrópolis: Vozes; Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1977, pág.
260.
(3)
Nunes, Maria Thetis: História de
Sergipe – A Partir de 1820, (Iº volume), Rio de Janeiro: Cátedra;
Brasília: INL, 1978, pág. 80.
(4)
Nunes, Maria Thetis: Obra citada, pág.
116.
(5)
Nunes, Maria Thetis: Obra citada, pág.134.
OS
ANOS DO PERÍODO REGENCIAL
A abdicação do imperador
D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, foi uma consequência de alguns anos de
desentendimentos e conflitos, entre D. Pedro, com suas tendências absolutistas,
e políticos adeptos do Liberalismo. O caráter autocrático do soberano ia de
encontro aos anseios liberais já consagrados na época e abraçados por políticos
de grande expressão, afastando-o cada vez mais dos construtores da
independência.
Com isso, o monarca, à
medida que vai tornando-se maior a sua impopularidade, buscou apoio na
comunidade lusa. O apoio dos lusitanos ao imperador – o seu natural protetor –
fez com que as hostilidades dos naturais do Brasil ao soberano se estendessem a
comunidade lusitana gerando por parte daqueles uma aversão aos portugueses e em
favor de um Estado governado por brasileiros.
Então a oposição ao imperador
confundiu-se a uma forte onda nacionalista, originando perturbações na capital
do Império e em diversas regiões, com manifestações violentas contra os
portugueses.
Acredita o historiador
José Calasans que mais que o Liberalismo foi o nacionalismo o principal agente
do sete de abril. (1)
Sergipe não escapou desse
intenso nacionalismo, estando inserido dentro do contexto daquela fase histórica.
O antilusitanismo na Província foi bem forte, principalmente em Laranjeiras,
Estância e São Cristóvão, manifestando-se através dos representantes da classe
média urbana, constituída na sua maioria por mestiços.
Porém, com a abdicação do
imperador e também o atendimento das exigências dos amotinados na praça do
palácio presidencial nos dias 28 e 29 de abril de 1831, de que fossem alijados
da administração pública e das atividades eclesiásticas os portugueses, e a
ratificação dessas medidas posteriormente pelo Governo Regencial, fizeram com
que o antilusitanismo – que foi uma das tônicas da história política do
Primeiro Reinado – paulatinamente desaparecesse.
Os primeiros anos do
Período Regencial, em Sergipe, também foram isentos de conflitos político-partidários.
O primeiro presidente de
Sergipe na fase Regencial foi o magistrado e político Marcelino de Brito
(1831-1833). Já era conhecido na Província, pois no Primeiro Reinado exercera o
cargo de Ouvidor, em 1825. Mais tarde, ocupou cargos de relevo na administração
do Império, sendo Ministro da Justiça (1844) e da Justiça e Fazenda (1846), chegando
a presidir a Câmara dos Deputados nos dias da Maioridade.
Em seu período de governo
houve o congraçamento dos partidos (2) e no pleito para deputados à Assembleia
Geral e membros do Conselho de Governo “não houve a menor alteração, tal o
prestígio da autoridade do Presidente, que não acariciou candidaturas,
mantendo-se completamente estranho a luta dos partidos”. (3)
Data dessa época o plano
de canalizar os principais rios da Província, já que a navegação fluvial era da
máxima importância para a economia sergipana. A ideia surgiu de um projeto de A.
J. da Silva Travassos – fazendeiro e político sergipano de grande expressão –
de canalizar os rios Pomonga e Japaratuba, a fim de facilitar a exportação
agrícola que era feita pela bacia hidrográfica desse último.
A partir da administração
de Morais Navarro (1833-1835) esse projeto assumiu maiores proporções, surgindo
a ideia de canalizar os principais rios sergipanos. Para isso, por solicitação
desse presidente, o Governo da Regência enviou o engenheiro Eusébio Gomes
Barreiros – o primeiro a apresentar-se oficialmente em Sergipe – com a missão
de fazer um levantamento hidrográfico da Província.
Conta A. J. da Silva
Travassos que ao fim de três meses esse engenheiro e ele apresentaram-se “ao
Presidente, com os desenhos, plantas e orçamentos das obras de quatro canais,
sendo um entre o Porto da Goiaba e Riacho Timbó, para comunicar o Rio São
Francisco com o Japaratuba; outro entre este rio e o do Pomonga, para seguir a
navegação até o Cotinguiba; outro entre o Rio Poxim e o de Santa Maria,
seguindo a mesma navegação até o Vaza-Barris; e outro finalmente entre o Rio
Paruy e o Riacho Farinhas, que vai desaguar no Rio Fundo, que franca navegação
até o Rio Real.
“Como a Província não
comportava toda a despesa desta canalização, e enquanto o Presidente exigia
auxílio dos cofres gerais, assentou de principiar a obra pelo canal de
Japaratuba, como mais reclamado pela lavoura e comércio daquela ribeira.
“Para isso dirigiu-se o
Presidente e seu secretário Braz Diniz de Villas-Boas, ao povoado e hoje Vila
do Rosário, onde reunidos os proprietários e lavradores de Japaratuba, abriu-se
uma subscrição para aquela obra, que não levou a efeito por dar logo sua
demissão.” (4)
O presidente Silva
Lisboa, que sucedeu a Morais Navarro, assumindo a administração da Província em
1835, continuou no mesmo empenho em dar início à concretização de tão grandiosa
obra. Em sua gestão foi firmado o contrato entre o Governo da Província e A. J.
da Silva Travassos, afim de transformar em realidade esse empreendimento, mas
que posteriormente não obteve a aprovação da Assembleia Provincial. As
dificuldades para execução do projeto provinha da oposição daqueles que acreditavam
ser a obra contrária aos seus interesses, como os negociantes e trapicheiros de
Maruim, que eram os depositores dos produtos exportados da região da bacia do
Japaratuba.
Fato notável do Período
Regencial em Sergipe foi a realização da primeira sessão da Assembleia
Provincial, em 1835. As Assembleias Legislativas Provinciais foi uma das
criações do Ato Adicional de 1834 à Constituição do Império.
Escreveu F. A. de
Carvalho Lima Junior que “com a promulgação do Ato Adicional a
Constituição do Império, conquista do espírito liberal em favor da descentralização
administrativa das Províncias, ficaram extintos os Conselhos de Governo, que
colaboravam com os Presidentes Provinciais, e os Conselhos Gerais, com
atribuições para fazer as leis de interesse provincial, com a sanção
presidencial”. (5)
Escreveu ainda o citado
autor que “em Sergipe a Assembleia compunha-se de 20 membros, devendo serem
chamados os imediatos em voto para tomarem parte nas sessões, em falta dos
efetivos, e funcionava durante dois meses sucessivos em sessão ordinária,
podendo ser convocada extraordinariamente pelo Presidente.
“O mandato era conferido
por dois anos, e o voto por escrutínio em lista completa.
“Por uma disposição
especial da lei, foi marcado o período de três anos para a primeira
legislatura.” (6)
Os anos de paz do Período
Regencial terminaram com a ascensão de Bento de Melo Pereira, do partido
corcunda ao Governo da Província. Sergipe entrou num clima de
intranquilidade política semelhante ao do Primeiro Reinado.
No ano em que esteve no
poder, 1836, coincidiu haver eleições para deputados a Assembleia Geral. A sua
atuação, então, foi típica de um elemento do partido corcunda,
patrocinando as candidaturas de Almeida Boto e Monsenhor Silveira, este último um
dos espíritos mais empreendedores da Província e ativo na política sergipana
desde o Primeiro Reinado.
Os candidatos da oposição
eram Fernandes de Barros e o magistrado Souza Brito. O primeiro foi um dos
homens mais ilustres que viveu em Sergipe no século XIX. Médico, formado em
Paris, onde foi aluno do célebre cientista Guy Lussac, já havia governado a Província
em alguns meses entre os anos de 1835 e 1836, quando se notabilizou por um
admirável programa de governo, que não pôde pôr em prática em virtude de ser
curta a sua passagem pela administração.
Ao ser realizado o
pleito, a facção governista percebendo que o resultado das urnas em toda Província
não estava favorecendo os candidatos oficiais, resolveu falsificar a ata
eleitoral de Lagarto (que era de cinquenta eleitores) dando para os candidatos
governistas 3.627 votos.
Diante dessa escandalosa
fraude para beneficiar os candidatos apoiados pelo governo, membros do corpo
eleitoral de São Cristóvão e outros distritos, que estavam presentes por
ocasião da apuração dos votos, através de representação foram ao presidente
protestar verbalmente contra aquele fato.
Nesse momento revelou-se
o excessivo partidarismo do presidente: reforçou a guarda do palácio, a qual
ficou em posição de atirar, impedindo a entrada da representação. Diante desse
obstáculo, os membros da agremiação partidária liberal reuniram-se em
seus respectivos distritos com os juízes de paz e resolveram enviar ao presidente,
por escrito, suas queixas através de representação. Contudo “o Presidente a
proporção que as recebia rasgava-as e mandava prender ao portador”. (7)
Segundo
o relato de A. J. da Silva Travassos, testemunha ocular dos acontecimentos,
quando em Rosário os eleitores juntos com os juízes de paz estavam tratando de
idêntica representação, foram atacados por uma força armada comandada por
Almeida Boto, um dos candidatos oficiais. (8)
Diante
desses fatos, não restou aos liberais senão o recurso das armas,
promovendo uma revolta que teve como centro a vila de Santo Amaro. A finalidade
da revolta era depor Bento de Melo Pereira e substituí-lo pelo vice-presidente
da Província Fernandes de Barros, chefe oficial do partido liberal,
e contou com a adesão de A. J. da Silva Travassos, chefe político da vila de
Santo Amaro, Araújo Maciel, um dos líderes políticos liberais de Rosário
do Catete, Carneiro de Menezes, de Laranjeiras, dentre outros.
Proclamada
publicamente a rebelião, em 18 de novembro de 1836, em Santo Amaro, os rebeldes
marcharam para Rosário do Catete, que foi conquistada sem resistência da parte
das forças governistas. Esse fato abalou toda a Província. A insurreição santamarense,
envolvendo outras localidades, tendia para uma generalização convulsionando
toda Província.
Devido
a esse sucesso dos sublevados, de início o presidente teve dificuldades em
arregimentar tropas a fim de sufocar a revolta. As principais vilas
negaram-lhes auxílios. Até Vila Nova, terra natal do então governante da Província
e onde sua numerosa família tinha grande influência, negou-lhe a requisição
feita, argumentando que a força do município havia se deslocado para defender
as fronteiras municipais. No sul de Sergipe escreveu o historiador dessa
rebelião “a causa da legalidade quase que não achou apoio, ou pelo terror
produzido pelas primeiras notícias dos acontecimentos, ou porque despertasse
simpatias a atitude belicosa dos insurgentes”. (9)
De
Rosário do Catete, os insurgentes marcharam em direção à vila de Laranjeiras,
onde aconteceria o conflito decisivo. Estacionando no engenho Sant’Ana (situado
na zona rural desse município) começaram os preparativos para a luta, traçando
planos para atacar a vila e exercitando militarmente a tropa (já agora
supervisionada por um oficial à serviço da causa dos rebeldes).
A
essa altura o presidente, já tinha organizado na vila de Laranjeiras um exército
com mais de cem homens, formado entre outros, por mamelucos das aldeias de Água
Azeda e Pacatuba e por contingentes enviados pelos chefes legalistas. Passada a
surpresa inicial, o governo que não esperava reação tão radical da parte de
seus adversários, conseguiu preparar-se belicamente para o confronto final.
Contudo,
antes que acontecesse o combate, um líder dos revoltosos por intermédio de um
chefe legalista de Itabaiana, conseguiu entrar em acordo com o governo, pelo
qual o presidente reconhecia a nulidade das eleições de Lagarto (cuja fraude
tinha sido o motivo da revolta) e os santamarenses rebeldes deporiam as armas.
Aceito o pacto por ambas as partes litigantes, os revoltosos retornaram a Santo
Amaro esperando que as promessas do governo fossem cumpridas.
Entretanto,
o governo fez um acordo que demonstrou depois nunca pretender cumpri-lo. F. A.
de Carvalho Lima Junior escreveu que “em vez de dar provas imediatas do
cumprimento de sua palavra de modo completo, o Presidente Bento de Melo
Pereira, continuava a armar-se e fortificar-se, caladamente na Província, como
se prepara para uma grande guerra”. (10)
Segundo
informação desse mesmo historiador, no mesmo dia do ataque e tomada do Rosário
do Catete, Bento de Melo Pereira requisitou oficialmente ao presidente da Bahia
o auxílio de 50 praças de 1ª linha, bem como grande número de armas e munição.
O governante baiano atendeu ao pedido do presidente de Sergipe, vindo o
material bélico numa embarcação para isso fretada. Sendo informado posteriormente que a vila
insurgente havia sido pacificada, o presidente da Bahia ordenou a suspensão do
auxílio, mas este já havia chegado a Sergipe. Bento de Melo Pereira utilizou-se
de todo esse armamento alegando que necessitava estar preparado para a
emergência de novas incursões dos rebeldes. (11)
O
certo é que, como o governo não estava disposto a honrar o convênio firmado com
os insurretos, sabia que em breve teria que enfrenta-los novamente. Então
resolveu se antecipar: no dia 15 de dezembro de 1836 a vila de Santo Amaro foi
atacada de surpresa por forças legalistas. A população apavorada fugiu do
local, enquanto um dos líderes revoltosos, Pereira Coelho, as pressas conseguiu
arregimentar uns sessenta homens para defender a vila assaltada.
As
tropas legais, capitaneadas por Almeida Boto, ao chegarem em Santo Amaro foram
divididas em três corpos. O primeiro corpo de tropa penetrou pelos subúrbios e
foi combatido pelos homens comandado por Pereira Coelho. Nesse embate a
vantagem estava com os defensores da vila, mas quando o segundo corpo entrou
pela retaguarda, a oeste, e o terceiro corpo invadiu a vila pelo sul, os que
estavam repelindo o ataque em face da inferioridade numérica abandonaram o
campo de batalha.
As
forças governistas, reunindo os três contingentes de tropas, tomaram conta da
vila. Então Santo Amaro foi saqueado: as casas particulares foram invadidas, o
comércio foi despojado, até a Igreja Matriz foi depredada.
Após
subjugar a vila rebelde, o governo através de uma ordem administrativa, abriu
devassas e instaurou processos políticos em quase todos os municípios, a fim de
punir os implicados na revolta.
Começou
em Sergipe uma onda de ódios e perseguições. Os líderes da rebelião foram
proscritos: A. J. da Silva Travassos e Pereira Coelho (que bravamente defendeu
Santo Amaro com umas seis dezenas de homens) emigraram para Penedo; Souza Brito
foi removido para a comarca de Estância, de categoria inferior, e como não
aceitasse a injusta remoção, foi demitido do cargo e retirou-se para Bahia, de
onde era natural.
Fernandes
de Barros, apontado pelo governo como “o ídolo da revolta” teve interrompida a
sua carreira política na Província, que parecia ser promissora: perseguido
pelos adversários transferiu-se para Penedo. Mais tarde vendeu suas
propriedades em Sergipe e radicou-se em Maceió. Terminou sua vida de uma
maneira trágica, sendo apunhalado numa manhã do dia 2 de outubro de 1840 no
Campo da Pólvora (em Salvador) quando estava nessa cidade para tratamento de
saúde. O crime, acreditam muitos, foi planejado em Sergipe.
A
preocupação maior dos sucessores de Bento de Melo Pereira, que havia sido
demitido após os acontecimentos de Santo Amaro, foi em pacificar a Província. Albuquerque
Cavalcante, que assumiu a Presidência de Sergipe em 1837, proclamou uma anistia
para os revoltosos, mas não surtiu efeito porque dela estavam excluídos os
cabeças da revolta. Elói Pessoa, que assumiu o posto no mesmo ano de 1837, teve
um comportamento contraditório a frente do governo da Província, pois enquanto
continuava no mesmo esforço pacifista do seu antecessor, contribuiu para o
aparecimento de novos barulhos, quando durante as eleições para deputados a
Assembleia Geral apresentou-se como candidato. Como os presidentes provinciais
ao candidatar-se usavam de todos os meios de que dispunham para alcançar os
fins almejados, os conflitos eram inevitáveis. Então a Província entrou em
novas turbulências e o processo eleitoral ocorreu de forma tão irregular que
foi nulificado e o presidente demitido. Somente no ano de 1839, o presidente
Joaquim José Pacheco “fez tornar a Província a seu estado normal”. (12)
A
Revolução de Santo Amaro de 1836, como ficou conhecida na
historiografia sergipana, na opinião de F. A. de Carvalho Lima Junior, apesar
de vencida, não pode ser considerada improfícua, pois “ela alcançou o fim que
determinou: a nulidade das eleições de Deputados a Assembleia Geral com a
anulação do colégio eleitoral de Lagarto, a demissão do Presidente Bento de
Melo Pereira, representante oficial de uma oligarquia, a fundação do partido
liberal com ideias definidas e a noção do patriotismo e amor a liberdade de um
povo”. (13)
São
palavras bonitas mas cujo pensamento que encerra deve ser aceito até certo
ponto. Realmente as eleições foram anuladas, porém os líderes rebeldes, que
encabeçaram uma insurreição motivada por uma causa justa não foram anistiados e
sim alijados temporariamente da vida pública. Os participantes da revolta foram
forçados a bandear para o partido rapina (denominação dada ao partido
corcunda devido aos saques cometidos na vila de Santo Amaro por
elementos desse agrupamento partidário por ocasião da invasão da mesma). Desse
desfalque entre os camundongos (que foi como os liberais então
passaram a ser chamados, em alusão ao apelido que tinha um dos seus chefes, o
doutor Souza Brito, quando estudava na Universidade de Coimbra),
aproveitar-se-ão os rapinas, liderados por Almeida Boto (o verdadeiro
chefe da reação aos revoltosos), para dominar a Província por vários anos.
REFERENCIA
BIBLIOGRÁFICA
(1) Calasans,
José: O Sentido Nacionalista do Sete de Abril, In R.I.H.G.SE, nº 17, volume
XII (1941-1942), Aracaju, 1943, pág. 5
(2) Freire,
Felisbelo: História de Sergipe, 2ª edição, Petrópolis: Vozes; Aracaju:
Governo do Estado de Sergipe, 1977, pág. 285.
(3) Freire,
Felisbelo: Obra citada, págs. 285 e 286.
(4) Travassos,
A. J. da Silva: Apontamentos Históricos e Topográficos Sobre a Província de
Sergipe, In R.I.H.G.SE, nº 6, volume III, Imprensa Oficial, Aracaju, 1916,
pág. 102.
(5) Lima
Junior, F. A. de Carvalho: Memória Sobre o Poder Legislativo em Sergipe, In
R.I.H.G.SE, nº 8, volume IV, Imprensa Oficial, Aracaju, 1919, pág. 40.
(6) Lima
Junior, F. A. de Carvalho: Obra citada, pág. 41.
(7) Travassos,
A. J. da Silva: Obra citada, pág. 105.
(8) Travassos,
A. J. da Silva: Obra citada, pág. 105.
(9) Lima
Junior, F. A. de Carvalho: Revolução de Santo Amaro, In R.I.H.G.SE, nº
5, volume II, Imprensa Oficial, Aracaju, 1916, pág. 266.
(10) Lima Junior, F. A. de Carvalho: Obra
citada, pág. 274.
(11)
Lima Junior, F. A. de Carvalho: Obra citada, pág. 274.
(12) Travassos, A. J. da Silva: Obra citada,
pág. 105.
(13)
Lima Junior, F. A. de Carvalho: Obra citada, pág. 295.
CAPÍTULO
III
SUCESSOS
POLÍTICOS APÓS A MAIORIDADE
A notícia da Maioridade
chegou a Sergipe em um início de agosto. O jornal Correio Sergipense,
em sua edição de 5 de agosto de 1840 noticiava: “exultemos de prazer, oh!
sergipanos, e conosco todos os brasileiros que almejam pelos melhoramentos de
sua pátria.
“Pessoa fidedigna nos afirma,
que no Rio de Janeiro, e Bahia, se a aclamado o nosso Anjo Tutelar o Senhor Dom
Pedro II, e por consequência acabadas as regências, e suas competentes
transações, a que talvez se não pudesse poupar aquele, cuja conservação, delas
estava inteiramente dependentes. Fomos mais informados por 2ª pessoa, que a tal
respeito nesta ocasião, é o nosso Exmo. Vice-Presidente oficialmente
participado desta feliz notícia, o que não podemos afirmar neste momento.” (1).
O vice-presidente no caso
era Martins Fontes, do partido rapina, que dias depois tomou
providências para oficializar o fato em Sergipe. Por determinação sua, no dia
16 de agosto de 1840 com a presença do clero e dos vereadores de São Cristovão,
o imperador D. Pedro II foi aclamado em Sergipe, com cortejo de estilo no palácio
da presidência, missa cantada e Te-Deum na matriz da capital.
Desejando a participação
do povo em tão alto acontecimento, determinou que os moradores de São Cristóvão
iluminassem a frente de suas casas e dessem as mais públicas demonstrações de regozijo.
Após o ato solene da
aclamação do monarca, o vice-presidente deu conhecimento do fato a todas as
vilas sergipanas.
Sergipe entrou em uma
nova fase da história do Brasil sem alterações para os que estavam no poder. Os
doze primeiros anos do Segundo Reinado em Sergipe é como uma continuidade dos
anos das regências, com o predomínio do partido rapina sob a
férrea direção de Almeida Boto.
Dos últimos anos do
Período Regencial até o início da primeira metade do século XIX, Almeida Boto
obteve um sólido domínio político em Sergipe. Felisbelo Freire escreveu que o partido
rapina dominou a Província até 1852 e que “durante este longo período
Almeida Boto alcançou em Sergipe um domínio absoluto.
“De sua vontade dependiam
todas as deliberações, todas as resoluções.
“Dominava não só a
administração da província, como as administrações locais” (2).
Senhor de vários engenhos
e com um gosto excepcional pelo mando, ele representou melhor do que ninguém em
Sergipe, a projeção do poderio econômico na vida pública, se impondo como um
político típico de sua época, através da força contra os adversários e do uso
da subjugação econômica às maiorias desprivilegiadas da sorte.
Nesses doze primeiros
anos Sergipe não perdeu as características que, com raras exceções, vinham marcando
a sua existência política, o exarcebamento das paixões partidárias gerando
violências, notadamente durante os pleitos eleitorais, como comprova vários
fatos ocorridos no período de governo de alguns presidentes da Província.
Na presidência de Ferreira
Souto (1846-1847), ao ser posta em prática na Província a Lei Regulamentar das
Eleições de 19 de agosto de 1846, lei esta que visava a organização do
eleitorado, surgiram descontentamento em várias localidades, cujo mais grave
foi o ocorrido em Pé do Banco (atual município de Siriri) aonde por ocasião da
qualificação dos votantes, o juiz de paz discordou com alguns membros da mesa e
retirou-se com partidários para seu engenho, nos arredores do povoado, no qual
formou um ajustamento armado com intenções de revolta. O presidente agiu
energicamente enviando ao local uma força de primeira linha composta de 30
praças e outra de 40 guardas policiais, reprimindo o motim e processando os
seus participantes por crime de sedição.
A outra desavença
ocorrida em Itabaiana, Ferreira Souto enviou um oficial comandando 25 praças
com o fim de prevenir a desordem. Nessa vila, em 18 de fevereiro 1847, o juiz
de paz taxou de injusta uma decisão do governo, originando daí questões e
pequenas vias de fato.
Quando da realização das
eleições, em 7 de novembro de 1847, quando já era então presidente Joaquim José
Teixeira que candidatou-se a deputado por Sergipe, o pleito ocorreu sob fortes
agitações. O presidente não aceitou o patrocínio de Almeida Boto a sua
candidatura, saiu vitorioso do pleito e partiu para a Corte para compor a 7ª
legislatura (1848) na Câmara dos Deputados.
Posteriormente na Câmara
dos Deputados, 32 parlamentares votaram contra essas eleições perante a
Comissão de Verificação dos Poderes, o qual tinha a função de apurar possíveis
irregularidades durante os pleitos eleitorais, podendo até anulá-los. Então as
câmaras municipais de Lagarto, Campos, Itabaiana e São Cristóvão enviaram
felicitações a esses 32 deputados “que votaram contra as eleições da província que
foram realizadas sob uma onda de terror, em certas freguesias ao que diz um
opúsculo publicado na Côrte em 1848, historiando os acontecimentos e em que se
dá notícia de assassinatos verificados por ocasião do pleito” (3)
Porém as eleições mais
tristemente célebres da história política sergipana no Segundo Reinado foram as
que aconteceram no ano de 1849, no governo de Zacharias de Góes e Vasconcelos
(1848-1849) nas quais o presidente apresentou-se como candidato, apoiado por
dois próceres políticos, Almeida Boto e João Gomes de Melo, o Barão de Maruim.
Zacharias de Góes e
Vasconcelos se elegeu deputado, mas ficaram guardadas por muito tempo na
memória dos sergipanos as cenas de violência ocorridas principalmente em
Estância e Itabaiana, no dia em que foi realizado o pleito eleitoral.
Em Estância, por ocasião
das eleições, grupos armados invadiram a igreja matriz (onde era efetuada a
votação) para obstar a mesa paroquial, que estava reunida para exercer as suas
funções eleitorais. Esses grupos conservaram-se um dia inteiro na praça,
armados, sendo testemunhas impassível a tropa do governo. O comércio e muitos
estancianos atemorizados pediram garantias ao juiz municipal para suas vidas e
fortunas, ameaçadas de saques. O vice-cônsul português pediu providências e
garantias para os súditos portugueses.
Numa sessão ordinária na Assembleia
Legislativa Provincial um deputado fez uma exposição dos lamentáveis
acontecimentos de Itabaiana no dia das eleições. Transcrevemos aqui o seu
discurso com algumas supressões: “Amanheceu esse dia desastroso, e a vila de
Itabaiana apesar das repetidas notícias de se estar juntando gente armada para
virem atacar a Matriz na ocasião da eleição, gozava de paz e tranquilidade.
Inesperadamente, surge, pelas oito horas d’amanhã, de dentro de uma casa um
grupo de mais de trinta homens armados, uns de bacamartes, outros de pistolas,
uns de espadas, outros finalmente de cacetes, de foices (...). Esse grupo,
capitaneado por certas pessoas, cujos nomes não tenho necessidade de publicar, conservou-se
em ala, e tom de batalha por um pequeno espaço de tempo em um dos becos da
praça, d’onde depois marchou a postar-se em frente da igreja Matriz e a tomar as
suas portas. O delegado (...) e o subdelegado (...) estavam com as mãos atadas,
e nada podiam obrar em virtude das muitas terminantes ordens que tinham de S.
EXC., recomendando-lhe toda moderação, indiferença, e neutralidade em negócio
de eleição. O delegado porém, que sem lhes poder dar o remédio, via desta forma
agredida a vila, e perturbada a sua tranquilidade, dirigiu-se em pessoa ao
grupo armado, rogando-lhe que depusessem as armas, que não quisessem derramar o
sangue dos seus semelhantes (...) e depois perguntando por ordem de quem estava
ali armados, responderam que por ordem do Juiz Municipal suplente para o fim de
prenderem certos criminosos.
“Vendo o delegado que
nada conseguia a bem da ordem, e constando estar no Campo do Brito o promotor
da Comarca (...), oficiou-lhe o delegado contando-lhe o estado da vila, e
pedindo-lhe que quanto antes viesse ver o que nela se passava. Deixou o
promotor de acudir ao pedido do delegado com aquela prontidão, que o caso
exigia, e exaltando-se cada vez mais o espírito público, mandou o delegado ao
sargento (...) que com os poucos praças (creio que não mais de cinco) que tinha
a seu comando se dirigiu a igreja a ver se conseguia acalmar o furor do grupo
armado, e mesmo dispensa-lo. Foram o (...) sargento com a sua gente esbarrados
em caminho pelo grupo armado, que apenas o avistou, gritou logo as armas, e se
pôs em tom de atirar. O sargento (...) em quem aliás não faltava toda coragem
de um homem de guerra, fez parar a sua gente, e dirigiu-se só ao grupo armado,
empregando todos os meios de mansidão, e prudência, para que depusessem as
armas. Foram repelidos os rogos, e tentativas amigáveis do sargento, e voltando
este sem nada haver conseguido, ficou aquele grupo senhor da praça, e gritando
em altas vozes – Viva o partido legal, morram os Camundongos. Aqui snrs, já não
houve mais prudência, já não houve mais freio que pudesse conter o ímpeto do
povo. Lança este mão das armas, divide-se em vários grupos, e ataca por todos
os lados aos seus agressores. Houvera snrs, duas grandes descargas de parte a
parte, e muitos tiros avulsos; duas vítimas ficaram estendidas no campo, e uma
morreu logo daí a poucos dias; não se pôde contar o número de feridos, dos
quais alguns ainda padecem; e mais tristes cenas haveriam certamente, se o
grupo armado, de quem tenho falado, senão deliberasse a correr, abandonando o
campo.
“Estes foram, snrs, os
horríveis acontecimentos ocorridos em Itabaiana nas próximas passadas
eleições...” (4)
Segundo o relato desse
mesmo deputado, só depois dessas ocorrências chegou a vila o promotor da
Comarca. Mas já era tarde, pois o sangue itabaianense havia sido derramado e o
promotor “nada mais teve de obrar, do que proceder a diferentes corpos de
delito, com que ao depois devera formular a sua denúncia”. (5)
Não somente as condições
políticas, mas também as econômicas não eram propícias aos governos realizarem uma
administração eficiente nos inícios do Segundo Reinado. Fato comum na gestão
dos primeiros governos dessa época eram os déficits dos anos financeiros,
ficando essas autoridades sem condições de pagar até mesmo aos ordenados dos
funcionários públicos.
Assim foi nos quase oito
meses de administração do primeiro presidente nomeado para Sergipe após a
Maioridade, o coronel João Pedro da Silva Ferreira (1840), na curtíssima gestão
de apenas quatorze dias da de Cansanção de Sinimbu (1841), e na de Almeida Boto
(1841-1842).
Revelando a situação de
miséria dos empregados públicos provinciais nessa época, o próprio jornal
oficial e único na Província até então noticiava em sua edição do dia 16 de
novembro de 1842: “Um desprazer geral se manifesta em todas as Repartições
públicas, à proporção que seus empregados envoltos na miséria se maldizem pela
falta de pagamento de seus ordenados. Parece que o mau fado tem presidido
nossas Estações e Recebedorias públicas: ou elas só fiscalizam para si, ou
dormem, porque não sofrem privações, ou finalmente o monopólio e as transações
estão no seu auge (servatis servandis). Uma tal posição, que consequentemente
traz o empregado em uma absoluta dependência dos meios de subsistir, é bastante
desfavorável a província; e o Governo decerto muito se deve afligir, porque
neste estado até ele se vê manietado em certos atos de sua administração”. (6)
Uma das causas da difícil
situação econômica da Província e, por conseguinte do entrave da administração
pública era a fraude.
Por isso, o sucessor da
Almeida Boto, o magistrado pernambucano Anselmo Francisco Peretti (1842-1844),
procurando criar recursos e melhorar os que tinham a sua disposição para o
andamento da administração, agiu no sentido de combater a sonegação,
principalmente do principal produto de exportação da Província, o açúcar,
criando pontos de embarque dessa mercadoria para fora de Sergipe, como também
formando comissões compostas por pessoas idôneas para fiscalizar a saída do
produto dos diversos trapiches.
Outrossim, solicitou a Assembleia
Provincial o aumento de 5 para 10 por cento na cobrança de taxas de vários
artigos que Sergipe exportava para outras Províncias, como pedra de amolar,
sal, cocos, cal e outros objetos de negócios. Com esses atos administrativos
melhorou as condições gerais da Província e abriu caminho para que os seus
sucessores mais imediatos governassem com menos dificuldades.
Mesmo nessa época de
precárias condições financeiras, persistiu a ideia da construção dos canais
interfluviais, que seria de tão grande serventia para o desenvolvimento
econômico da Província.
Finalmente, na
administração de Oliveira e Silva (1851-1853) foi assinado o contrato entre o
Governo da Província e A. J. da Silva Travassos, para o começo de execução dos
trabalhos de canalização dos rios Pomonga e Japaratuba. Na curta administração
de apenas 4 meses e três dias do doutor Luiz Antônio Pereira Franco (1853), já
havia sido iniciada a importante obra de comunicação entre esses dois rios.
Durante a primeira década
do Segundo Reinado, as agremiações partidárias sergipanas foram passando por
paulatinas modificações pelo fato de irem se integrando aos dois partidos a
nível nacional, o Conservador e o Liberal, formados na capital do Império no
Período Regencial e que nos inícios da Maioridade já estavam plenamente
estruturados.
Por força dessa
integração havia uma tendência dos dois agrupamentos partidários desaparecerem,
como de fato aconteceu no início da década de 50, por ocasião das eleições para
a 9ª legislatura (1853-1856), quando, escreveu um autor sergipano: “consumou-se
enfim o esfacelamento dos tradicionais partidos sergipanos, rapinas e
camundongos que há muito vinham contando com defecções em suas hostes. As suas
influências, ao sabor das circunstâncias, tomam as cores partidárias que melhor
lhes parece, sem compromissos definitivos. Ora abraça o liberal, ora o
conservador, conforme seus interesses. Quando mesmo se conservam os chefes
políticos locais ligados ao diretório central de seus partidos na Côrte, passam
a formar grupos que se hostilizam disputando posições na província”. (7)
Nessa década começou o
declínio político do grande líder Almeida Boto e a ascensão de João Gomes de
Melo, o Barão de Maruim.
Mesmo sem jamais ter o
prestígio que teve Almeida Boto no passado, que mais do que líder de um partido,
foi o chefe político de uma Província, João Gomes de Melo, como chefe do
partido Conservador, do qual foi o fundador em Sergipe, gozou de uma enorme
influência na Província por mais de uma década. Primeiro membro da aristocracia
sergipana a receber um título nobiliárquico, o de Barão de Maruim, em 1848, já
era notória a sua ascendência na administração da Província desde o governo de
Luiz Antônio Pereira Franco (1853) e principalmente na de Inácio Joaquim
Barbosa (1853-1855), ao ponto de muitos o apontarem como o principal
responsável pela transferência da capital para Aracaju, ocorrida durante a
presidência deste último. Coroando a sua brilhante carreira política, em 21 de
maio de 1861 foi nomeado senador do Império.
A partir de quando
Sergipe incorporou-se a estrutura partidária nacional, Almeida Boto, que não
perdera seu prestígio de todo, tornou-se o chefe do partido Liberal na Província.
Em 1863 ele afastou-se da vida pública, e a liderança da agremiação partidária
liberal, por três decênios foi exercida por Antônio Dias Coelho e Melo, o Barão
de Estância.
Escrevendo sobre a
formação dos novos partidos em Sergipe – o Conservador e o Liberal – Felisbelo
Freire afirmou que “as suas origens não representam princípios políticos, nem
tradições históricas. Não passam de dois bandos, sem a coesão de uma idéia, e,
em luta continua, contra os interesses da nação e a favor dos interesses dos
seus chefes e dos seus adeptos”. (8)
O certo é que assim como acontecia em todo
Brasil, em Sergipe o partido Liberal e Conservador eram formados por políticos
oriundos da classe dominante, daí não haver profundas divergências ideológicas
entre eles. Logo as suas energias eram gastas sobretudo na luta pela posse do
poder.
A partir dos anos 50
houve um amortecimento das paixões político-partidárias. Desapareceu a aquele
clima de forte inquietude que se manifestava principalmente nos momentos das
realizações das eleições.
A maior prova desse
abrandamento político está no fato de que, a transferência da capital da Província,
de São Cristóvão para Aracaju (1855), decisão que contrariava muitos
interesses, foi efetuada sem vir acompanhada de protestos violentos.
Mas as fraudes
eleitorais, as duplicatas, foram vícios que continuaram permeando na vida
política provinciana. Afirma o Pe. Aurélio Vasconcelos de Almeida que “desde
1836, as eleições de Sergipe caíram no descrédito público, não só na província,
como também da nação”. (9)
REFERÊNCIAS
BILBIOGRÁFICAS
(1)
In Correio Sergipense, 5 de agosto
de 1840, pág. 4
(2)
Freire, Felisbelo: História de Sergipe,
2ª edição, Petrópolis: Vozes; Aracaju: Governo do Estado Sergipe, 1977, pág.
311.
(3)
Almeida, Pe. Aurélio Vasconcelos de: Representação
da Província de Sergipe d’el Rei no Parlamento Nacional, In R.I.H.G.SE, nº
20, volume XV (1949-1951), Aracaju, pág. 29.
(4)
In Suplemento ao Correio Sergipense,
17 de outubro de 1849, págs. 2 e 3.
(5)
In Suplemento ao Correio Sergipense,
17 de outubro de 1849, pág. 3.
(6)
In Correio Sergipense, 16 de
novembro de 1842, Pág. 4.
(7)
Almeida, Pe. Aurélio Vasconcelos de: Obra
citada, pág. 40.
(8)
Freire, Felisbelo: Obra citada, Pág. 313.
(9)
Almeida, Pe. Aurélio Vasconcelos de: Obra
citada, pág. 23.
CAPÍTULO
IV
A
MUDANÇA DA CAPITAL
A mudança da capital da Província representou uma das
tentativas de dinamizar a sua economia. A ideia da mudança da sede do governo
provincial era velha, mas só nos anos 50 ela adquiriu um caráter de real
necessidade.
A transferência da
capital, de São Cristovão para Aracaju, estava associada à ideia da construção
de um porto, já que Sergipe, como nos tempos coloniais, exportava através da
Bahia, o que fazia com que a economia açucareira dependesse dos trapicheiros
daquela Província. Nesse intercâmbio comercial era comum a fraude no peso das
caixas do açúcar, o que exigia uma severa fiscalização por parte dos dirigentes
da Província de Sergipe. A construção de um porto significava a Província poder
comercializar diretamente com o estrangeiro, dinamizando a sua economia.
São Cristóvão não estava
em decadência, e a sua barra – a do Vasa-Barris – era uma das mais movimentadas
da Província. Mas ao longo da história sergipana, outras cidades sempre a
sobrepujaram quanto ao aspecto econômico. Nem no Período Colonial ela conseguiu
fazer com que a sua importância econômica equivalesse ao que ela era no campo
político, já que o eixo econômico da Capitania no século XVIII e começos do
século XIX era a vila de Santo Amaro. Essa vila, segundo Felisbelo Freire “...
Por muitos séculos (...) foi a ante-câmara da capital que era então São
Cristóvão. Nela morava a elite da aristocracia sergipana, toda ela composta de
Senhores de engenho de açúcar localizados nas bacias dos rios que correm na
zona açucareira de Maruim, Laranjeiras, Japaratuba e Riachuelo. Nela reuniam-se
as mais eminentes figuras da política sergipana e deliberavam o seu programa em
face dos administradores, delegados do governo geral”. (1)
No século XIX,
Laranjeiras, situada a margem direita do rio Cotinguiba e que se desenvolveu a
partir de um povoado fundado em 1606 alcançara um desenvolvimento de tal
tamanho que em 1832 foi elevada à categoria de vila e em 1848 adquiriu foros de
cidade, tornando-se o centro econômico da Província. A barra da Cotinguiba era
então a mais movimentada de Sergipe. Para se aquilatar a importância da barra
do rio Cotinguiba, era nela que os presidentes nomeados para Sergipe aportavam
e que após poucos dias de descanso seguiam para São Cristóvão.
Diante de Laranjeiras e
até das florescentes Estância (elevada à categoria de cidade em 1848) e Maruim,
situado as margens do rio Ganhamaroba e que graças a riqueza da cana a partir
do século XIX atingiu um grande desenvolvimento agrícola e comercial, São
Cristóvão adquiriu a imagem de cidade paralisada economicamente falando, sem
muitas perspectivas para o futuro, o que não era verdade. Essa ideia prevaleceu
porque no Brasil esteve sempre arraigada na mentalidade dos administradores
públicos e do povo em geral a opinião de que as capitais das Províncias (e hoje
dos Estados) devem ter um desempenho econômico equivalente a sua importância
como centro político-administrativo.
A ideia da mudança da
capital era antiga. Já em 1832, Almeida Boto, fazendo parte do Conselho Geral
da Província, sugeriu que a capital fosse transferida para Laranjeiras. Mais de
dez anos depois, em 1846, o engenheiro João Bloem, que trabalhava em obras
públicas na Província, apresentou o projeto de construção de uma cidade para
ser a nova capital de Sergipe, a qual seria edificada em Porto das Redes
(localizada nas proximidades de Santo Amaro) e que teria o nome de Santa Tereza
ou Terezeana, em homenagem a imperatriz do Brasil.
Com o decorrer do tempo,
como fruto da evolução desse plano de mudança, foi nascendo em setores da
sociedade da Província a ideia de que Sergipe precisava de uma capital
marítima, e as atenções se voltaram para Aracaju.
Por sua posição
geográfica, Aracaju já em 1840 despertou a atenção do último presidente do Período
Regencial, Wenceslao Oliveira Belo (1840), que nesse ano propôs à Assembleia
Provincial a instalação da Alfândega em sua localidade.
Essa proposição gerou
forte oposição, e o deputado Almeida Boto (que propunha edificar uma casa para
a Alfândega em Laranjeiras) discursando na Assembleia Geral em 12 de agosto de
1840 disse que essa proposta do presidente era a maior das calamidades,
alegando entre outras razões que “... residindo neste lugar apenas pessoas
indigentes, que vivem do recurso da morada de beira mar, não se encontra uma
casa onde possa habitar, nem ao menos os trabalhadores do edifício que por
ventura ali se houvesse de construir...” (2)
No bojo do protesto do
parlamentar temos uma rápida descrição de como era Aracaju na primeira metade
do século XIX e ao mesmo tempo sentimos que provavelmente seria impossível até
essa época transferir a sede da Província para esse povoado, já que a intenção
do presidente de somente aí instalar uma importante repartição pública
foi motivo para muitos protestos.
Porém quinze anos depois,
em virtude, sobretudo das constantes dificuldades econômicas e também de um
prestigioso líder político – o Barão de Maruim – apoiar a ideia, havia uma
predisposição em realizar a mudança da capital para Aracaju. Outrossim, as
condições políticas permitiam a concretização desse projeto audacioso e há
muito reclamado. No ano de 1853 aconteceu um fato notável na história
brasileira: os dois grandes partidos nacionais, o Conservador e o Liberal se
uniram e tendo como chefe o Marquês de Paraná formaram o Ministério da
Conciliação, reunindo políticos de ambos os partidos. Um novo espírito fora
introduzido na política brasileira.
Coube ao presidente
Inácio Joaquim Barbosa trazer esse novo espírito político para Sergipe. Tomou
posse em 1853, realizou uma das administrações mais dinâmicas da Província no Período
Monárquico e notabilizou-se na história sergipana, por realizar a transferência
da capital, de São Cristóvão para Aracaju.
No documento oficial no
qual o governo expunha os motivos da mudança dizia-se que São Cristóvão embora
já contasse mais de duzentos anos de existência, tempo suficiente para alcançar
um grande desenvolvimento, ao contrário, revelava-se uma cidade em decadência.
Essa situação de miséria decorria de sua posição geográfica, situada no fundo
do rio Paramopama, dependendo de marés e obstáculos de toda sorte para a
navegação.
É interessante
transcrever a visão oficial a respeito da situação das outras cidades as quais
poderiam ser a nova sede do governo provincial: “As cidades de laranjeiras, Maruim
e Estância, que podiam apresentar-se para disputar a preferência ao Aracaju,
por serem os maiores e mais ricos povoados da Província, acham-se também como a
cidade de São Cristóvão, situados no fundo de pequenos rios com dependências de
marés, e toda sorte de dificuldades para a navegação, e em todo o caso, posto
que mais comerciantes que a cidade de São Cristóvão, não dominam senão uma
porção mais ou menos limitada do – recôncavo – da Província, e que por certo às
embaraça de jamais poderem ser praças importantes de comércio” enquanto “o
Aracaju, ao contrário, está situado na barra da Cotinguiba, sem dependência de
marés, e dificuldades algumas para a navegação, porque possuem vasto, profundo,
e abrigado ancoradouro. Por outro lado, a sua situação na barra o faz dominar a
maior e mais rica porção do - recôncavo – da Província, tanto porque com a abertura
do canal do Japaratuba ultimamente praticada todos os produtos da ribeira do
mesmo Japaratuba, que é a mais rica da Província por conter maior número de
Engenhos de açúcar, serão encaminhados direta e imediatamente ao Aracaju que se
torna para ela o povoado mais próximo, como porque sendo tributários da barra
do Cotinguiba os rios interiores, em que estão situadas as próprias Cidades de
Laranjeiras e Maruim, assim como outros povoados importantes, necessariamente
virão essas cidades e povoados a serem igualmente tributários do Aracaju...”
(3)
Os defensores da mudança
da sede provincial afirmavam que “a posição topográfica do
Aracaju o constitue
naturalmente o entreposto comercial da Província”. (4)
A mudança da capital
aconteceu no dia 17 de março de 1855, através da Resolução nº 413, que no seu
artigo 1º elevava a categoria de cidade o povoado de Santo Antônio do Aracaju e
no artigo 4º transferia de São Cristóvão para Aracaju a capital da Província.
Não faltaram os protestos
contra essa resolução. Uma parcela da população são cristovense demonstrou
publicamente a sua repulsa para com esse ato. Desse movimento popular
sobressaiu a figura meio lendária de João Bebe-Água que se imortalizou na
história de Sergipe como um símbolo da insatisfação do povo para com essa
decisão governamental.
Como também a Câmara
Municipal de São Cristóvão lançou o seu protesto contra essa resolução perante
o presidente da Província, a Assembleia Provincial e o imperador.
Mas de nada valeram todas
essas reclamações. Com a sumaca nacional Conceição que entrou no porto
em 8 de junho de 1855 veio a aprovação imperial a mudança da capital.
Fundando Aracaju, Inácio
Joaquim Barbosa resolveu que esta seria uma cidade planejada e incumbiu o
engenheiro Sebastião Basílio Pirro, que se encontrava em Sergipe desde 1848, de
planejar a nova capital.
REFERÊNCIAS
BILBIOGRÁFICAS
(1)
Freire, Felisbelo: A Antiga Vila de
Santo Amaro das Grotas, In R.I.H.G.SE, nº 5, volume II, Aracaju, 1914, pág.
187.
(2)
In Correio Sergipense, 14 e 17 de
outubro de 1840, pág. 5
(3)
In Correio Sergipense, 26 de maio
de 1855, págs. 3 e 4.
(4)
In Correio Sergipense, 26 de maio
de 1855, pág. 4.
CAPÍTULO
V
A
ECONOMIA DE SERGIPE NO PERÍODO IMPERIAL
Por todo Período Imperial
as atividades econômicas primárias foram a base da economia sergipana.
A criação de gado bovino
foi uma das atividades econômicas mais importantes da Província, praticada com
grande desenvolvimento no agreste e na zona semi-árida. No setor agrícola a Província
de Sergipe cultivava em consideráveis proporções a cana-de-açúcar, o algodão, a
farinha-de-mandioca, o fumo, o arroz, e o tucum em rama ou fiado.
A produção de algodão
sergipano aumentou a partir dos anos 60, motivada pela Guerra de Secessão dos
Estados Unidos, que paralisou a exportação desse produto pelos Estados
norte-americanos do Sul, e pela presença de indústrias têxteis no Nordeste
brasileiro.
Contudo, mesmo
rivalizando-se com a cultura algodoeira e por algum tempo disputando com esta
espaços agrários, a cana-de-açúcar foi o produto agrícola que mais sobressaiu
na economia sergipana na centúria antepassada. Os engenhos se concentravam em
torno da bacia do rio Japaratuba e do rio Sergipe.
O algodão e o açúcar eram
produtos agrícolas de exportação, e a produção era exportada através das barras
sergipanas para Salvador, de onde era vendida no exterior. Assim era por
intermédio de sua rede fluvial que a produção econômica da Província era
exportada.
Como a navegação fluvial
era da máxima importância para a economia sergipana, no Período Regencial
surgiu à idéia de canalizar os rios da Província. Porém as precárias condições
financeiras de Sergipe naquele período não admitiu de imediato a concretização
desse projeto. Somente na última década da primeira metade do século antepassado
teve começo a execução das obras, sendo que a conclusão da primeira etapa – a
canalização dos rios Pomonga e Japaratuba – ocorreu no governo de Inácio
Joaquim Barbosa.
Apesar do início da
canalização dos rios sergipanos e também da mudança da capital para Aracaju
estimularem a economia provincial, fatores de várias ordens entravava o seu
progresso econômico.
Um dos fatos que mais
concorria para o estorvo da economia sergipana era os processos arcaicos usados
na agro-indústria açucareira. Comparados com os avanços tecnológicos aplicados
no fabrico do açúcar em outros recantos da América, os métodos usados nos
engenhos sergipanos eram os mais rudimentares, daí a sua baixa competitividade
nos mercados internacionais. Um dos presidentes de Sergipe, Ferreira Souto, em
sua Fala com que abriu a 2ª sessão ordinária da Assembleia Legislativa
Provincial observou: “Se há país a respeito do qual com mais justiça se possa
dizer que a agricultura é o sustentáculo e a verdadeira fonte de riqueza é
certamente o Brasil, e com especialidade esta Província. Não obstante nenhum
melhoramento tem ela aqui tido.
“As máquinas agrícolas
usadas nos países, onde a agricultura tem seguido o movimento civilizador do
século, e que permitem substituir as forças dos animais no arrotear, e cultivar
a terra, são aqui desconhecidos inteiramente.
“O fabrico do açúcar, que
constroe a riqueza da Província, conserva-se no seu estado primitivo, entregue
aos mesmos motores e ao mesmo método de trabalho, que instituíram seus
primeiros introdutores.” (1)
A economia sergipana do
século XIX atravessava constantes óbices. Com isso quem mais sofria era o povo.
Na década de 50 Sergipe
foi atingido por uma crise econômica que atingiu o auge ainda em 1857, quando
os gêneros alimentícios subiram a um alto preço, e finalmente faltaram
inteiramente no mercado, e o povo lutou com o flagelo da fome. Essa crise, que
foi em geral ou em todo o Império, em Sergipe teve causas acidentais, que foram
a epidemia de 1855 e a seca.
A terrível epidemia de
cólera mórbus em 1855 paralisou a evolução da nova capital, Aracaju, e
exterminou grande número de cultivadores livres e a escravatura. As cidades, vilas e povoados da Província
perderam grande número de habitantes. Após 1855 dois anos passaram-se com as estações
irregulares, e em 1857 a seca prolongou-se demasiadamente e transtornou toda a
produção de cereais.
Mas não foi somente nesse
decênio que a população sofreu pela falta de víveres. A extinção do tráfico de
africanos (1850) e o alto preço do açúcar fizeram com que os grandes
investimentos e os escravos se convergissem para os grandes estabelecimentos
(os engenhos). Assim o trabalho da lavoura dos cereais ficou a cargo de
pequenos agricultores, que sem capital e sem aperfeiçoar os métodos de cultivo,
obtinha uma produção insuficiente para atender as necessidades da população,
gerando o alto preço e as vezes a falta de alimentos no mercado.
A Lei Eusébio de Queiroz
de 1850 extinguindo o tráfico de escravos afetou sobremaneira a economia
sergipana que se apoiava no trabalho dos negros cativos. A solução encontrada para
sanar esse problema foi a colonização. Lendo um excerto da Fala do presidente
Oliveira e Silva, que começou a governar Sergipe em 1851, um ano após a
promulgação da mencionada lei, sentimos a importância da colonização para a
economia sergipana: “Se a colonização é uma necessidade palpitante para todo o
Império, é para esta Província uma necessidade vital. Melhor do que eu sabeis,
Senhores, ser a agricultura o único ramo de riqueza da Província, e que por
falta de braços está ela ameaçada de próxima ruína.” (2)
O presidente também
apontou um dos recursos para a realização da ação colonizadora que era a de
“fazer sentir ao Governo Imperial que (...) tem a sua disposição quantias para
promover a colonização, as circunstancias especiais da Província, que a tornam
merecedora de particular auxílio. Interessado como está em promover a
prosperidade das Províncias o Governo Imperial não deixará de prestar a devida
atenção a tão justificada reclamação...” (3)
Mas apesar desses e
outros esforços a colonização nunca foi implantada em Sergipe no Período Monárquico.
A agro-indústria
açucareira, base da economia sergipana, fez surgir um animado comercio em
algumas cidades, como Estância, Maruim e Laranjeiras, esta última considerada
no século XIX o Porto da Província. As transações comerciais na Província
eram realizadas através de suas quatro barras – a do rio São Francisco, rio
Sergipe, rio Cotinguiba e a do rio Real – cabendo a da Cotinguiba ter um
comércio mais movimentado. Contudo essas barras não eram equipadas adequadamente
e a lavoura perdia parte de seus produtos todos os anos com os naufrágios das
embarcações.
A história registra
tentativas de alguns dos delegados do Governo Imperial em contribuir para
estimular a economia sergipana. O Presidente Dabney d’Avellar Brotero
(1857-1859) tentou dinamizar o comércio sergipano propondo à idéia de construir
um ramal de estrada de ferro que ligasse Sergipe a Bahia, para aonde a Província
enviava diretamente seus produtos. No governo de Cunha Galvão (1859-1860) este
trabalhou para dar vida a Companhia de Refinação, a fim de melhorar a indústria
do açúcar.
O melhoramento das barras
sergipanas mereceu a atenção de alguns governantes, como a de Inácio Joaquim
Barbosa que também cuidou de seu policiamento e Cunha Galvão que convidou
hábeis engenheiros quando projetou melhorar as barras da Província. Porém
grande parte dos projetos desses e outros administradores ficaram somente no
terreno das intenções.
Alguns membros das
chamadas classes laboriosas tentaram também de alguma forma fomentar o
desenvolvimento econômico de Sergipe, mas obstáculos a esse desenvolvimento
sempre estiveram presentes.
A abolição da escravidão
em 1888 só fez agravar a crise que constantemente afetava a economia provincial
e que foi a sua maior marca no Período Imperial.
REFERÊNCIAS
BILBIOGRÁFICAS
(1)
In Correio Sergipense, nº 45, 19 de
junho de 1847, pág. 2.
(2)
In Correio Sergipense, nº 33, 28 de
abril de 1852, pág. 1.
(3)
In Correio Sergipense, nº 33, 28 de
abril de 1852, pág. 1.
CAPÍTULO
VI
A
CULTURA EM SERGIPE NO SÉCULO XIX
Ao longo de todo o século
XIX viveram em Sergipe escritores que cultivaram a arte literária em seus
diversos gêneros e diferentes tendências estéticas.
A duas escolas literárias
pertencem quase todos os autores que compuseram obras escritas com finalidades
artísticas no século XIX em Sergipe: Arcadismo e Romantismo.
Dos que versejaram
obedecendo aos cânones do Arcadismo destacaram-se, dentre outros, Oliveira
Campos, “o primeiro nome da literatura sergipana propriamente dita,
constituindo a sua obra poética verdadeiro marco histórico”, (1) e Tupinambás
Navarro, considerado “lídimo representante do classicismo em nossa literatura”.
(2)
Em 1851 Constantino Gomes
introduziu o Romantismo no cenário artístico literário sergipano, publicando o
livro de poemas Himnos de Minh’ Alma.
Constantino Gomes também
foi teatrólogo e romancista. Para o teatro escreveu diversas peças, cuja mais
famosa foi A Filha Sem Mãe, levada aos palcos com grande sucesso e
impressa em livro em 1860. Na prosa de ficção publicou os romances O
Desengano (1871), A Filha Sem Mãe, em dois volumes, entre os anos de
1873 e 1877. Em folhetins escreveu O Grumete (1873-74), o romance
indianista Arycurana (1875-76), e o romance de costume O Cego
(1877-78).
Outra figura de relevo na
literatura romântica sergipana foi Pedro de Calasans. Suas poesias líricas
foram reunidas nos livros Páginas Soltas (1855) e Últimas Páginas
(1858). É autor ainda da célebre obra Ofenísia (1864) e do poema
satírico A Rapinada, escrito em 1863, onde ele ironiza os membros do partido
rapina, capitaneado pelo proeminente político Comendador Almeida Boto.
Outros vultos do
Romantismo em Sergipe no século XIX foram: Bitencourt Sampaio, autor do livro
de poemas Flores Silvestres (1860), José Maria Gomes, grande cultor da
poesia condoreira em poemas como Henrique Dias (1857), Colombo
(1858), Roma Diante de Augusto (1860) e outros, Elziário Pinto, que
escreveu O Festim de Baltazar (1865) considerado pelo historiador da
literatura Jackson da Silva Lima, como “tecnicamente, o mais perfeito poema do
Romantismo brasileiro” (3).
Devemos salientar ainda
Tobias Barreto, uma das mais fortes personalidades literária brasileira do
século antepassado. Poeta engajado nas questões do seu tempo é um dos maiores
nomes da Escola Condoreira. As suas produções poéticas foram reunidas
posteriormente e publicadas no livro Dias e Noites.
A arte sergipana do
século XIX é sobretudo de caráter religiosa. Mas construções civis também se
destacam.
No século antepassado o
Catolicismo já tinha criado raízes em Sergipe e a moral católica já havia
moldado a sociedade sergipana. Até em nossos dias observamos a importância que
tem as comemorações da religião católica em nossas cidades mais antigas.
Como o Catolicismo
exerceu nesse tempo uma grande importância social e cultural, mesmo porque foi
a religião oficial do Estado brasileiro, os templos católicos são ainda
monumentos representativos da arte sergipana do século XIX.
Laranjeiras é um das
cidades onde está mais evidente a importância da religião para a arte sergipana
do século XIX, pelo número de templos que contem. Se a sua Igreja Matriz – A
Igreja Sagrado Coração de Jesus – data do século XVIII (1791), quase todos os
outros monumentos religiosos laranjeirenses foram construídos no século XIX. A
Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Pardos, cuja construção foi iniciada
em 1843 pelos homens pardos e livres, mas só foi finalizada em 1860. A Igreja
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, construída na primeira metade do
século XIX, pelos escravos, com uma mistura de argamassa de calcária e restos
de animais e as paredes levantadas em taipa de pilão. Afirma-se ser a única
igreja que conserva até hoje a sua estrutura sem precisar de reparos. Nessa igreja
os negros concentravam as suas devoções e até hoje é palco das maiores festas
do folclore da cidade de Laranjeiras. Encontramos ainda nessa antiga cidade a
Igreja do Bomfim situada na Colina Azulada de onde se avista todo o vale
do Cotinguiba.
Em outras antigas cidades
de Sergipe encontram-se outros monumentos religiosos representativos da arte
sergipana do século XIX. Em Capela temos a Igreja de Nossa Senhora da
Purificação, construída em estilo eclético e em Maruim está um dos maiores
monumentos da arquitetura sergipana que é a Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus
dos Passos, edificada as expensas do Barão de Maruim cujas obras teve seu
término em 1862. O presidente Inácio Joaquim Barbosa vendo esta obra
arquitetônica ainda em construção falou que “depois de acabada, o que é de
esperar que brevemente aconteça, pelo esforço com que nele se trabalha, virá a
ser esse Templo o primeiro da Província, e um dos melhores do Império” (4)
Do conjunto arquitetônico
religioso de Estância que data do século XIX faz-se presente nos dias atuais a
Igreja Nossa Senhora do Amparo, já que a sua igreja matriz - a Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe –
atualmente Catedral Diocesana, foi construída no século XVIII.
A escultura em Sergipe no
século XIX ainda é religiosa e está espalhada por diversas igrejas que datam
desse século.
A arquitetura civil
sergipana está intimamente relacionada ao progresso da economia de algumas
cidades sergipanas na centúria antepassada.
Em Laranjeiras como uma
lembrança da era de esplendor econômico da cidade está ainda admiravelmente
conservado o antigo trapiche construído na primeira metade do século XIX, local
onde eram armazenadas as antigas produções açucareiras dos engenhos. Na área
urbana de Laranjeiras encontra-se ainda o Mercado Municipal construído na
segunda metade do século XIX.
Destaque também para a
Ponte Nova - antiga ponte do açogue – projetada e construída pelo engenheiro
João Bloem em 1882. Sua construção foi importante, principalmente por facilitar
o escoamento mais rápido dos açucares dos engenhos da região.
Ao lado de Laranjeiras,
embora com características artísticas diferenciadas, Estância é uma das cidades
que melhor representa a arte sergipana no Período Imperial. Escreveu o
historiador José Anderson Nascimento que “devido ao movimento portuário,
concentrado no porto d’Areia, onde ancoravam embarcações de médio calado e,
notadamente, às atividades das empresas exportadoras e importadoras, quase
todas de portugueses, ocorreu rápido desenvolvimento da cidade, proporcionando,
destarte, o surgimento da sua magnífica arquitetura civil, que no curso do
século XIX, posicionou-se como a mais requintada de Sergipe del Rei.” (5)
Os belíssimos sobrados
estancianos, todos eles com revestimentos de azulejos portugueses, decorados,
atestam o requinte da arte estanciana e a posição de destaque que ela teve na
história de Sergipe no século XIX.
O Ecletismo está presente
na arte sergipana no século XIX, tanto na arquitetura religiosa como na civil.
Um dos exemplos mais frisantes está na Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Purificação, em Capela, que segundo José Anderson Nascimento “apresenta em seu
formoso frontispício certos aspectos da arte barroca, testificados,
principalmente, no frontão ondulado e aberto, com um óculo. Duas torres,
sineiras em arco pleno. Os seus janelões demonstram, entretanto a presença de
estilo eclético na sua fachada principal, face à utilização de guilhotinas,
predominantes no estilo neogótico.” (6)
Em sobrados
laranjeirenses “registram-se, também algumas fachadas segundo o estilo
neogótico, em que aparecem portas e janelas ogivais, caixilharia envidraçada e
a presença de bandeiras e janelas tipo guilhotina” a exemplo da Casa de João
Ribeiro. (7)
O ecletismo também se fez
presente no sobrado (em São Cristovão) que no Período Imperial serviu de sede
do governo provincial. Nota-se nesse antigo palácio decorações feitas seguindo
o gosto estético do Neoclassicismo, que foi propagado no País pela Missão
Artística Francesa que chegou ao Brasil em 1816.
Na nova capital, Aracaju,
como uma consequência de sua evolução urbana, ao decorrer dos anos foram feitas
várias edificações algumas delas tendo hoje alto valor artístico.
Uma das primeiras
preocupações do fundador da cidade, Inácio Joaquim Barbosa, foi a construção da
Igreja da Conceição, com a finalidade de atender as necessidades espirituais do
povo católico. Porém as obras estavam indo muito lentamente. Por isso o
primeiro presidente nomeado pelo Governo Imperial a governar na nova capital,
Salvador Correia de Sá e Benevides (1856-1857), afirmando que a Igreja da
Conceição mandada construir pelo presidente Inácio Joaquim Barbosa não podia
prestar-se tão cedo ao culto do Deus vivo autorizou a construção da capela de
São Salvador, sendo colocada a primeira pedra da obra em 22 de maio de 1856.
Essa capela, o primeiro templo de Aracaju, foi inaugurada em 23 de outubro de
1857 em meios a grandes festividades que se prolongaram pelo dia 24, em virtude
desta ser a data em que tradicionalmente se comemorava a emancipação política
de Sergipe.
As obras da igreja de
Nossa Senhora da Conceição – hoje Catedral Metropolitana – foram concluídas em
1857. O prédio apresenta características do Neogótico, com alguns elementos do
Neoclássico.
No ano de 1863 foi
terminada a construção do que hoje é um dos mais belos monumentos sergipanos, o
Palácio do Governo – hoje Palácio Olímpio Campos – edifício decorado no estilo
Neoclássico.
Outros edifícios
aracajuanos que datam do século XIX que merecem menção pela sua imponência são
a antiga Cadeia Pública, onde “destacava-se a parte central do prédio que tinha
uma decoração ao gosto neogótico, muito utilizado no Brasil” na segunda metade
do século “e era caracterizado, principalmente, pelas vergas ogivais das
janelas rasgadas por inteiro e portas com a mesma composição. O telhado dessa
ala do prédio era em quatro águas, o que demonstra a melhoria das cobertas
aracajuanas,” (8), e o palácio onde funcionou durante muito tempo a Assembleia
Legislativa (atualmente Palácio Fausto Cardoso) “sobrado erguido em pedra e
cal, bem dimensionado, figura como um dos exemplares mais representativos da
época”. (9)
O grande nome da pintura
sergipana no século XIX é o de Horácio Hora, pertencente à escola Romântica.
Autor de belos quadros como Pery e Cecy que o artista pintou em 1881
inspirado em uma das cenas do célebre romance de José de Alencar O Guarani
(1857), Miséria e Caridade, obra elaborada em 1884 e que pertence ao
acervo do Hospital de Caridade da Sociedade Amparo de Maria, de Estância e
vários outros trabalhos expostos no Museu Histórico de Sergipe, (o qual tem uma
sala reservada exclusivamente para suas obras e pertences), Museu Histórico
nacional e outras instituições.
Na história da Filosofia
no Brasil no século antepassado Sergipe ocupa um ligar de relevo.
Até a primeira metade do
século antepassado, vigorou no Brasil o Ecletismo, doutrina filosófica lançada
na França por Victor Cousin (1792-1867), e que se tornou a filosofia oficial do
Império. A partir da segunda metade do século XIX, porém, surgiram novas
correntes filosóficas no Brasil, como o Evolucionismo, Positivismo e
Materialismo, ao mesmo tempo em que se fortalecia a filosofia Escolástica –
nessa fase chamada de Neoescolástica – doutrina oficial da Igreja e que havia
predominado no Período Colonial. O fortalecimento do pensamento cristão e o
aparecimento dessas novas doutrinas ampliaram os estudos filosóficos no Brasil,
enquanto o Ecletismo entrava em declínio.
Foi o pensador sergipano
Tobias Barreto, chefe espiritual da Escola do Recife, formada na Faculdade de
Direito da capital da Província de Pernambuco, que, se tornando adepto do
Evolucionismo, começou a combater o Ecletismo. Contrapondo-se ao Positivismo,
filosofia com enorme prestígio no Brasil em seu tempo, e se orientando pela
filosofia alemã, Tobias Barreto propugnava pela renovação da poesia, folclore,
crítica literária e musical, como também trouxe novas concepções para o estudo
do Direito e da Filosofia.
Personalidade irradiante
foi uma das maiores contribuições que Sergipe deu ao Brasil no campo da cultura.
Deixou vários discípulos e escreveu diversas obras, entre as quais, Estudos
de Filosofia e Crítica (1875), Estudos Alemães (1881), Questões Vigentes
de Filosofia e Direito (1888) e Vários Escritos (1900).
O maior discípulo
sergipano de Tobias Barreto foi Sílvio Romero. Foi o primeiro a historiar a
literatura nacional de uma forma sistemática e um pioneiro nos estudos de
folclore no Brasil. Como pensador inspirado na filosofia de Kant e nas ideias
evolucionistas de Herbert Spencer, pretendeu superar o Ecletismo e o Positivismo.
Escreveu numerosas obras, sendo que no campo da Filosofia merece menção Doutrina
Contra Doutrina – o evolucionismo e o positivismo no Brasil (Ensaio
filosófico, 1894) e Ensaios de Filosofia do Direito (1895).
Outros discípulos de
Tobias Barreto foram Fausto Cardoso, que publicou Concepção Monística do
Universo (1894), Taxionomia Social (1898), e Gumersindo Bessa, que
se destacou como jurisconsulto.
Na historiografia
sergipana o primeiro nome a ser posto em destaque é o de Marcos Antônio de
Souza, que no início de sua carreira eclesiástica foi vigário da freguesia de
Pé do Banco. Escreveu Memória Sobre a Capitania de Sergipe (1808), obra
que só veio a lume em 1877. Sobre o autor e a obra escreveu um historiador:
“Versado em doutrina econômica, partidário do livre comércio, conhecedor da
história religiosa, escrevendo com segurança e clareza, Marcos Antônio de Souza
não redigiu, simplesmente, uma memória. Escreveu em verdade, uma pequena
história econômico-social de Sergipe...” (10)
Outro nome que sobressai
na literatura histórica sergipana é o do comendador Antônio José da Silva
Travassos, que escreveu Apontamentos Históricos e Topográficos Sobre a
Província de Sergipe (1860), que permaneceu inédita por um considerável
espaço de tempo e onde ele narra os sucessos políticos de Sergipe até pouco
mais da primeira metade do século antepassado, em muitos dos quais ele teve uma
participação destacada.
Entretanto o maior nome
da historiografia de Sergipe no século XIX foi o de Felisbelo Freire. Após anos
de pesquisas e norteado pela filosofia evolucionista ele elaborou a sua História
de Sergipe, publicada em 1891, que ainda hoje ocupa um lugar proeminente na
historiografia sergipana. Único historiador do século antepassado a ter uma
visão própria sobre a história de seu povo, em sua obra ele descreveu a
formação e evolução da nossa Capitania, dando a luz documentos inéditos, ao
mesmo tempo em que nos dá um painel da vida política sergipana do século XIX
até a transferência da capital para Aracaju.
Publicou vários outros
livros, dentre eles História Constitucional dos Estados Unidos do Brasil
(1894), e já no século XX, o primeiro volume de História Territorial do
Brasil (1906), obra fundamental para a compreensão do passado brasileiro.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
(1) Lima,
Jackson da Silva: História da Literatura Sergipana, Volume I, Livraria
Regina, 1971, Aracaju, pág. 152.
(2) Lima,
Jackson da Silva: Obra citada, Pág. 179.
(3) Lima,
Jackson da Silva: História da Literatura Sergipana. Volume II, FUNDESC,
Aracaju, 1986, pág. 63.
(4) In
Correio Sergipense, 29 de abril de 1854, pág. 1.
(5) Nascimento,
José Anderson: Sergipe e Seus Monumentos, Gráfica Editora J. Andrade,
Aracaju, 1981, págs. 72 a 74.
(6) Nascimento,
José Anderson: obra citada, pág. 67.
(7) Nascimento,
José Anderson: obra citada, pág. 64.
(8) Nascimento,
José Anderson: Obra citada, pág. 90.
(9) Nascimento:
José Anderson: Obra citada, pág. 94.
(10) Calasans,
José: Aracaju e Outros Temas Sergipanos, Aracaju: Governo de Sergipe –
FUNDESC, 1992, págs. 13 e 14.
BIBLIOGRAFIA
LIVROS
Almeida,
Pe. Aurélio Vasconcelos de: Esboço Biográfico de Inácio Barbosa, Volume
I, Gráfica Sercore, Aracaju/SE, 2000.
---------------------------------------------:
Esboço Biográfico de Inácio Barbosa, Volume II, FUNCAJU/SERCORE,
Aracaju, 2002.
---------------------------------------------:
Esboço Biográfico de Inácio Barbosa, Volume III, J. Andrade, Aracaju/SE,
2003.
Araújo,
Acrísio Torres: Pequena História de Sergipe, Aracaju, 1966.
Armitage,
João: História do Brasil, 6ª edição, Edições Melhoramentos, São Paulo,
1977.
Calazans,
José: Aracaju e Outros Temas Sergipanos, Aracaju: Governo de Sergipe –
FUNDESC, 1992.
Campanhole,
Adriano, e Campanhole, Hilton Lobo: Constituições do Brasil, 10ª Edição,
Editora Atlas S.A., São Paulo, 1992.
Carvalho,
Ana Conceição Sobral de, e Nunes, Verônica Maria Meneses: Horácio Hora,
Aracaju: Governo do Estado de Sergipe – Programa de Edições, 1982.
Castro,
Renato Berbert de: A Tipografia Imperial e Nacional, da Bahia, Ática,
São Paulo, 1984.
Diniz,
Diana Maria de Faro Leal (Coord.): Textos Para a História de Sergipe,
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Revista
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Aracaju: TER/SE, 2002.
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